Paulo Nogueira Batista Jr.

paulonogueira@cartacapital.com.br

Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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A Venezuela contra o Império

É preciso deixar esse país resolver sem interferência estrangeira os seus problemas políticos e econômicos

A Venezuela contra o Império
A Venezuela contra o Império
Comício do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em 25 de julho de 2024. Foto: Raul Arboleda/AFP
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Uma coisa me parece certa, leitor ou leitora: é fundamental entender que a Venezuela sofre a cobiça dos Estados Unidos e outras nações imperiais. Para eles, o que interessa é o acesso o mais livre possível aos imensos recursos naturais venezuelanos, petróleo e gás destacadamente. E para esse fim nada melhor, nada mais eficaz do que ter em Caracas fantoches e títeres, como os da oposição a Nicolás Maduro.

Cabe reconhecer, claro, que o presidente Maduro às vezes toma decisões duvidosas, para dizer o mínimo. Um exemplo marcante: a pretensão de incorporar à Venezuela mais da metade do território da Guiana. Isso criaria uma confusão na América do Sul e, mais amplamente, nos outros países da América Latina e do Caribe. A América do Sul é uma região de paz desde a Guerra das Malvinas, em 1982, e precisa continuar assim.

Uma guerra entre a Venezuela e a Guiana não abriria caminho para uma intervenção americana direta? Para que aconteça exatamente o que queremos evitar? O Brasil nunca poderia endossar um avanço da Venezuela sobre outro vizinho nosso. Isso não interessa ao Brasil, não interessa a ninguém.

À distância, é muito difícil determinar quem está mentindo e quem está dizendo a verdade sobre o resultado das eleições venezuelanas. Alguém tem credibilidade para falar sobre isso? A oposição provou algo? O governo provou? Não vamos perder de vista que diversos países que estão se arvorando a opinar não têm moral nenhuma para interferir nas eleições da Venezuela. Onde existem eleições realmente confiáveis? Nos Estados Unidos? Francamente! Para começo de conversa, alguém entende o sistema eleitoral americano? Parece que havia por aí uma dúzia de sujeitos que o compreendiam perfeitamente e sabiam explicá-lo, mas estão todos mortos ou entrevados.

Deixem, portanto, a Venezuela resolver, sem interferência estrangeira, os seus problemas políticos e econômicos! Problemas esses que foram criados, recorde-se, em larga medida pelas sanções aplicadas há muito tempo pelos Estados Unidos e seus satélites europeus. Menciono um só exemplo: o leitor ou leitora sabe que as reservas internacionais e os ativos líquidos da petroleira estatal venezuelana foram congelados e roubados por americanos, ingleses e outros? Pirataria, não há outra palavra!

Qual o papel do Brasil nesta quadra? Muitos, na direita bolsonarista, na direita neoliberal e até na esquerda, querem que o governo brasileiro se intrometa, condene as eleições venezuelanas e se distancie ou mesmo rompa com o “ditador” Maduro – epíteto raramente aplicado aos ditadores ou autocratas de países simpáticos ao Ocidente.

O Brasil dar palpites sobre a ­Venezuela seria um grande erro, no meu modesto entendimento. A Venezuela é um dos principais países latino-americanos, tem extensa fronteira conosco e importantes laços econômicos. Esses laços só não são maiores, recorde-se, porque a ­Venezuela foi suspensa do ­Mercosul, em 2017, no tempo de Michel Temer no Brasil­ e ­Mauricio Macri na Argentina.

Vejam como foi escandalosa a decisão: o governo golpista de Temer teve a cara de pau de invocar a “cláusula democrática” do Mercosul (um dos muitos legados sofríveis de Fernando Henrique Cardoso) para suspender a participação da Venezuela no bloco.

As relações diplomáticas foram retomadas no governo Lula. Porém, que se saiba, nada se fez até agora para readmitir o país no Mercosul. Seria mais importante trazer a Venezuela de volta do que ficar promovendo acordos neoliberais e danosos, herdados do governo Bolsonaro, como os acordos com a União Europeia, com a área de livre-comércio do resto da Europa, com a Coreia do Sul e com o Canadá.

Uma palavra final sobre um aspecto da questão militar. Posso estar enganado, mas até onde posso perceber os Estados Unidos e a oposição venezuelana fantoche dificilmente derrubarão Maduro. Vamos permitir que a Venezuela caia nos braços da China e da Rússia?

Pragmaticamente, não cabe ao Brasil reconhecer a continuação do governo Maduro? Opinião controvertida, bem sei. Mas questões decisivas não são sempre objeto de controvérsias? •

Publicado na edição n° 1323 de CartaCapital, em 14 de agosto de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Venezuela contra o Império’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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