Marcos Coimbra

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Sociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.

Opinião

A última cartada do capitão

O governo aposta tudo no pacote de 41 bilhões de reais para comprar votos, mas investir na popularidade de Bolsonaro costuma ser péssimo negócio

Foto: EVARISTO SA / AFP
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Talvez nem todos tenham percebido, mas Jair Bolsonaro jogou, na semana que se encerra, sua última cartada. Na terça-feira 9, pôs na mesa sua derradeira tentativa de comprar o voto dos eleitores mais pobres, com o pagamento do adicional de 200 reais no Auxílio Brasil, programa que está em vigor há dez meses, mas não deu certo.

Explique-se: não funcionou do ponto de vista dos objetivos para os quais foi concebido, pois o tal auxílio nunca passou de um esforço para tornar Bolsonaro competitivo. Naquele fim de 2021, com Lula estável e em grande vantagem e a candidatura do comparsa Sergio Moro a seduzir o eleitorado de extrema-direita, o capitão e seus “líderes” no Congresso resolveram fazer a única coisa que sabem para obter votos: tentar comprá-los. Em uma interpretação burra do ­significado do Bolsa Família, pensaram: “Se Lula se tornou grande ao dar 200 reais, vamos dar 400 e os pobres ficarão conosco”. Só mesmo quem ignora e não respeita os brasileiros poderia imaginar que daria certo.

Não deu, como mostram centenas de milhares de entrevistas nas pesquisas realizadas desde então. O único crescimento que Bolsonaro experimentou desde janeiro veio do retorno de quem havia se engraçado com Moro: não melhorou, apenas retomou o tamanho que tinha. Pensando no que sua turma buscava, o Auxílio Brasil foi um fracasso.

De lá para cá, o mesmo gênio que supôs que os pobres venderiam seu voto por 400 reais deve ter feito mea-culpa e concluído que a ideia era boa, mas o valor insuficiente. “Quem sabe com 200 reais a mais consigamos comprá-los?”, talvez tenha imaginado. E assim chegamos à jogada do capitão na terça-feira.

É sua última manobra dentro do que nos resta de democracia, depois de todos os achincalhes, limitações e ataques sofridos desde 2019. Sob o olhar complacente de algumas instituições e dos poderosos, assistimos ao bolsonarismo ir além do que de pior imaginávamos na deturpação dos valores e princípios democráticos. O adicional “somente” desvirtua o voto popular e suas consequências, mas não os cancela. Botar a gorilada na rua e acabar de vez com as regras do jogo fica para o lance seguinte.

A cartada dará certo? Tudo indica que não.

Deu errado com 400 reais, mas sempre é possível acreditar que, com mais grana, o eleitor talvez fraqueje. Não esquecendo que os 200 reais adicionais vêm acompanhados de uma penca de outros “auxílios”, pensados como moeda para obter a adesão de alguns segmentos com grande poder de disseminação de opiniões, como caminhoneiros e taxistas. Tudo somado, engordaram em mais 41,2 bilhões de reais o dinheiro público destinado a tentar fazer com que Bolsonaro continue no cargo.

Com a colossal incompetência da gestão militar-Centrão, é certo que uma parte considerável desse dinheiro nem sequer sairá do plano das ilusões burocráticas (fora a parcela que ficará pelo caminho, no bolso dos espertalhões). Como temos quatro meses e meio até o fim do ano, falamos de cerca de 9 bilhões a mais, ao mês, para empurrar o capitão morro acima, tentando aproximá-lo de Lula. De agora ao dia 2 de outubro, são 20 bilhões.

Sabemos, no entanto, com base no que aconteceu no passado, como é ruim investir na popularidade e na intenção de voto em Bolsonaro. Gasta-se muito e o retorno é mínimo.

As pesquisas eleitorais feitas entre o fim de 2019 e o fim de 2020 mostram quão pequeno tende a ser o resultado. Na série mais completa, das pesquisas telefônicas (mais favoráveis a Bolsonaro) XP/Ipespe, vemos que, no voto estimulado, Bolsonaro saiu de 27%, em dezembro de 2019, para 29%, em dezembro do ano seguinte.

Lembremos: entre maio e dezembro daquele ano, o governo federal, apenas no pagamento do Auxílio Emergencial, gastou cerca de 230 bilhões de reais, com média mensal de quase 30 bilhões. Sem considerar outros recursos (como os provenientes do aumento do Bolsa Família), é o triplo do que pretende gastar agora, na tentativa de turbinar um programa que se revelou inócuo.

Em 2020, Bolsonaro cresceu de modo insignificante, na margem de erro das pesquisas, e seu ganho eleitoral pode ser considerado nulo. Teremos um milagre agora? Em 50 dias, o capitão vai decolar, dar um salto espetacular e alcançar Lula?

O destino da última cartada bolsonarista será igual ao das outras. E nada sugere que, se virar a mesa, conseguirá permanecer no poder como um ditador ridículo e fora de época. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1221 DE CARTACAPITAL, EM 17 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A última cartada do capitão”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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