Gustavo Freire Barbosa

gustavofreirebarbosa@cartacapital.com.br

Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

A turma de Braga Netto nos deu o que faltava

Os acontecimentos desta semana escancaram mais uma vez o DNA golpista das Forças Armadas e a urgência de submetê-las ao controle civil

A turma de Braga Netto nos deu o que faltava
A turma de Braga Netto nos deu o que faltava
Braga Netto foi um dos principais aliados de Bolsonaro no período em que o ex-capitão esteve na Presidência, e concorreu como vice na chapa em 2022 – Foto: Marcos Corrêa/PR
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Na última terça-feira, dia 19, a Polícia Federal deflagrou a Operação Contragolpe. O alvo: militares que planejavam instaurar um “gabinete de crise” após executarem o presidente Lula, seu vice Geraldo Alckmin, então eleitos, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

O comando desse gabinete de crise ficaria nas mãos de Augusto Heleno, general da reserva e então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e Walter Braga Netto, também general da reserva, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro. Foi na casa de Braga Netto que os quatro militares presos pela PF nesta semana discutiram os planos de sequestro e assassinato.

“Punha Verde e Amarelo”: segundo a PF, o general Augusto Heleno chefiaria um gabinete golpista após o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes.
Foto: Carolina Antunes/PR

Não faltam precedentes na história para mostrar como as Forças Armadas brasileiras, em sua vocação meio metafísica e salvacionista, veem a si mesmas como a última linha de defesa contra uma nação supostamente degenerada, recorrendo ao golpismo mais vil. Foi nesse espírito que, logo nos primórdios da República, os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto assumiram o comando com punho de ferro, enxergando-se moralmente autorizados a tanto. O mesmo ímpeto levou militares a tentarem golpear Juscelino Kubitschek em 1955 e João Goulart em 1961 – pavimentando o caminho para o golpe de 1964, diante da hesitação de ambos em confrontar os conspiradores com firmeza.

O caso investigado agora, no entanto, lembra outro episódio nefasto, ocorrido durante a ditadura militar. Em 1968, o deputado Maurílio Ferreira Lima, do MDB de Pernambuco, denunciou na Câmara um plano de oficiais da Aeronáutica para sequestrar 40 líderes políticos – entre eles Dom Hélder Câmara, Jânio Quadros, Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek – e lançá-los de um avião no oceano. O mentor do plano, brigadeiro João Paulo Burnier, tinha mais em mente: explodir o gasômetro da Avenida Brasil às 18h, horário de pico, matando 100 mil pessoas. A tragédia seria atribuída a comunistas, tudo em nome de “livrar o Brasil do comunismo para a eternidade”. O plano só foi abortado pela coragem do capitão paraquedista Sérgio Carvalho, que se recusou a participar e denunciou o alto comando.

Posse de João Paulo Burnier (dir.) como Chefe do Gabinete do Ministro da Aeronáutica. Brigadeiro foi descrito por seus próprios colegas de farda como “um insano mental inspirado por instintos perversos e sanguinários, sob o pretexto de proteger o Brasil do perigo comunista.”
Foto: Arquivo Nacional/WikiMedia Commons

Os acontecimentos desta semana escancaram mais uma vez o DNA golpista das Forças Armadas e a urgência de submetê-las ao controle civil, sob pena de continuarmos reféns de eventos como as invasões de 8 de Janeiro, as bombas bolsonaristas contra o STF e agora generais tramando assassinatos para usurpar o poder.

A Operação Contragolpe fornece provas robustas para a prisão de Braga Netto, cuja liberdade só se explica por um republicanismo ingênuo e perigoso. Manter José Múcio no Ministério da Defesa, ora acenando, ora passando pano para militares golpistas – também é uma escolha que ameaça se tornar irreversível.

Em O Príncipe, Maquiavel nos ensina que é preciso prever desordens futuras e enfrentá-las antes que se tornem incontroláveis. Ele defende que o governante resolva os problemas de uma só vez, evitando desgastes diários e abrindo espaço para a estabilidade.

Como escreveu Mário de Andrade, “não devemos servir de exemplo, mas podemos ser lição”. A turma de Braga Netto deixou claro: o momento de enfrentar o golpismo é agora. Passada essa janela, talvez não haja outra.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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