Paulo Nogueira Batista Jr.

paulonogueira@cartacapital.com.br

Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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A turma da bufunfa revisitada

Trata-se de uma confraria sinistra que, deixada solta, é capaz de destruir o planeta

A turma da bufunfa revisitada
A turma da bufunfa revisitada
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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Hoje vou deixar de lado questões candentes do momento (Trump, tarifas, BRICS, eleições de 2026 etc.) para abordar um tema mais estrutural – a notória e tenebrosa turma da bufunfa.

Não sei se vocês conhecem esse conceito econômico. Como se trata de uma das poucas, talvez a única, contribuições que fiz à literatura econômica, cabe uma rápida definição. A turma da bufunfa é um poderoso agrupamento de banqueiros, financistas, rentistas e empresários não financeiros de grande porte, acolitados por economistas e jornalistas serviçais. É um grupo muito influente, que se dedica a acumular dinheiro, custe o que custar, ignorando na cara dura preocupações sociais e nacionais.

Nem são propriamente brasileiros, mas “cidadãos do mundo” no pior sentido da expressão. São às vezes referidos como “Faria Lima”, outras vezes como “mercado”. Mas a primeira designação é geograficamente muito restrita para um fenômeno que tem alcance nacional e internacional. A segunda sugere uma instância anódina, neutra, que funciona supostamente pelo livre jogo das leis da oferta e demanda – quando se trata, na verdade, de uma confraria sinistra que atua frequentemente em conluio. Formam uma plutocracia nociva, capaz de desestabilizar países inteiros, até países grandes. Deixados soltos, são capazes de destruir o planeta, como estamos vendo no século XXI, com as crises climáticas, a pobreza, a desigualdade social e a instabilidade recorrente das economias financeirizadas do Ocidente.

Um leitor me sugeriu, certa vez, dar mais precisão à teoria e falar em “turba da bufunfa”. De fato, turma é uma palavra simpática, como, por exemplo, “A turma da Mônica” dos desenhos em quadrinhos. A tenebrosa coligação de bufunfeiros está mesmo muito mais para “turba”.

A ala tupiniquim dessa turba é, além disso, estritamente subserviente aos Estados Unidos. Caudatária em tudo dessa superpotência delinquente, não tem nem vestígios de imaginação e criatividade.

Devo ressalvar que há exceções a isso no meio financeiro ou com passagem por ele, algumas notáveis, como Gabriel Galípolo, Eduardo Moreira, José Kobori e, em outros tempos, gigantes como Olavo Setubal e Paulo Pereira Lira. Mas são casos isolados.

Faça, leitor ou leitora, um pequeno esforço de imaginação. Lá está um banqueiro qualquer ou um especulador de grande porte. Imaginem a figura – faz pose, peito estufado, hierático, orgulhoso da sua fortuna, olha os pobres mortais de cima para baixo. Não lhe faltam ocasiões para subir ao púlpito e soltar o verbo. Saem as piores trivialidades, não raro em mau português, salpicado desnecessariamente de termos em inglês. A própria linguagem é colonizada. O banqueiro pode até parecer um idiota. Mas, não. É um espertalhão. Sabe ganhar dinheiro, legal ou ilegalmente, com esforço ou trambicagem. Enriquece, geralmente, recorrendo a tráfico de influência, corrupção e evasão fiscal.

Com base na sua fortuna, o banqueiro ou financista sente-se autorizado a pontificar sobre questões macroeconômicas e macropolíticas, nacionais e internacionais. E, pior, suas opiniões nessas áreas são acatadas por muita gente como perfeitamente válidas. Por burrice ou interesse escuso, e mais pelo segundo motivo do que pelo primeiro, abre-se espaço na mídia para financistas toscos, mas que, inconscientes da própria insignificância intelectual e humana, não se envergonham de proclamar os mais surrados chavões, desde que isso atenda a seus interesses estreitos. Há vários casos notórios em nosso país. Mas o meu espaço está acabando e isso impede de dar nome aos bois desta vez. (Se quiserem exemplos relevantes e até burlescos, deem uma olhada na versão online deste artigo.)

Nem sempre o capitalista financeiro quer se expor em público. Recorre então aos economistas do mercado. Contrata, a peso de ouro, um ex-presidente ou ex-diretor do Banco Central, por exemplo, que passa a servir de porta-voz dos seus interesses, em público e nos bastidores. É exatamente por antever essas possibilidades lucrativas que muitos economistas se dispõem a passar uma temporada no Banco Central ou em outro setor da área econômica do governo, ganhando por um tempo salários relativamente baixos. Não importa. Terão futuro promissor, desde que dancem conforme a música enquanto lá estão. Depois, apoiados pela mídia tradicional, consolidam a “credibilidade” conquistada com subserviência. E, mais importante, embolsam a bufunfa.

Como disse Proudhon, no século XIX: La proprieté c’est le vol (A propriedade é roubo). •

Publicado na edição n° 1371 de CartaCapital, em 23 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A turma da bufunfa revisitada’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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