

Opinião
A turma da bufunfa anda inquieta
Parecem duvidosos os argumentos em defesa das generosas taxas de juro que tanto a favorecem


Volto a escrever sobre a extravagante política de juros do Banco Central. O assunto é vasto; vou me ater ao que parece mais relevante na atual conjuntura.
Começo com a divisão da diretoria do BC. Antes da mais recente reunião do Comitê de Política Monetária do BC (Copom), a mídia anunciou um combate de proporções épicas. De um lado, os conservadores, defendendo redução de 0,25 ponto porcentual da Selic, a taxa básica de juros. De outro, os revisionistas, lutando por uma diminuição de 0,5 p.p. Prevaleceu o grupo conservador, com cinco votos, contra o grupo minoritário, que conta com quatro integrantes indicados por Lula. Mas foi, na verdade, uma Batalha de Itararé. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. A ata dessa reunião do Copom, como seria de se prever, valeu-se do habitual “banco centralês” para apaziguar ânimos e restabelecer a concórdia entre os nove ilustres integrantes do colegiado.
Persiste o problema de fundo, entretanto. Em dezembro, termina o mandato do atual presidente da autarquia. O que quer o mercado? Idealmente, que Roberto Campos Neto seja substituído por outro funcionário graduado do sistema financeiro, daqueles que seguem o script e não ameaçam os interesses estabelecidos.
Não sendo isso possível, e por via das dúvidas, a turma da bufunfa tenta intimidar o governo, em especial o ministro da Fazenda. Faz sentir, de várias maneiras, que a escolha não deve recair sobre um nome pouco palatável. Se o sucessor não puder ser um deles, que seja uma figura inofensiva e cooptável.
Mas deixemos isso de lado. Há questões mais fundamentais, entre outras, a seguinte: por que o BC insiste tanto na política de juros altos? Como justificá-la?
O argumento do BC tem duas pernas. Primeira: a sua tarefa primordial é conduzir a política de juros de forma a alcançar as metas de inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional. A segunda é que os modelos econômicos adotados por ele indicam, supostamente com alguma segurança, que o elevado nível da Selic é indispensável para ajustar a inflação às metas. Simples assim.
Simples e enganoso. O argumento do BC tem fragilidades. Por exemplo, será que as metas não seriam excessivamente ambiciosas, contribuindo para que os juros fiquem altos demais? Se o centro da meta de inflação fosse um pouco mais alto e o intervalo da banda inflacionária (isto é, a distância entre teto e piso) um pouco mais amplo, não teria o BC raio de manobra para suavizar os juros? Um pequeno ajuste das metas dificilmente traria risco de descontrole inflacionário.
Outra dúvida: que modelo ou modelos são esses que geram a necessidade de manter juros sempre na estratosfera? Todo e qualquer modelo envolve uma dose considerável de incerteza. Qualquer um que tenha experiência nessa área sabe que eles não são capazes de dar respostas unívocas às principais questões econômicas. Por isso, aliás, é que os Bancos Centrais nunca se baseiam apenas em modelos e nas projeções deles derivadas. Para a tomada de decisões, observam todo um conjunto de variáveis, indicadores e informações.
Ora, muitos desses indicadores sugerem que seria possível, sim, flexibilizar mais rapidamente a política monetária sem colocar em risco o controle da inflação. Dadas as incertezas que sempre cercam a questão, a polêmica é inevitável e tende a ser acirrada. Em favor da redução, podemos alinhar as seguintes evidências, entre outras. A taxa de inflação corrente está sob controle e não apresenta tendência de alta. Para este ano e o próximo, as projeções de inflação não indicam grande diferença em relação às metas. A economia apresenta capacidade ociosa na indústria e taxas elevadas de desocupação dos trabalhadores (sobretudo, nas definições mais amplas de desemprego). Existe, além disso, muita folga no balanço de pagamentos, o que permite ampliar as importações com tranquilidade. A catástrofe no Rio Grande do Sul, como todo choque de oferta, pressiona a inflação e derruba a produção, mas não modifica radicalmente, até onde se pode enxergar, o quadro econômico nacional.
Má notícia para a militante turma da bufunfa: parecem duvidosos os argumentos em defesa das generosas taxas de juro que tanto apreciam e que tanto os favorecem. •
Publicado na edição n° 1311 de CartaCapital, em 22 de maio de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A turma da bufunfa anda inquieta’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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