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A tragédia da oposição

O destempero de Bolsonaro ou a mediocridade de Moro? Esta sim é uma escolha difícil

O ex-juiz Sergio Moro e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: EVARISTO SÁ/AFP
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Bem-vistas as coisas, a desgraça da direita brasileira é a mediocridade de Sergio Moro e o radicalismo destemperado de Jair Bolsonaro. Um e outro, cada um à sua maneira, afastam os eleitores moderados, preocupados não com a ideologia, mas com a boa governança. O drama da direita política é que quanto mais se fala do regresso de Bolsonaro e das pantomimas de Moro menos condições tem de fazer aquilo que é o seu principal dever: construir uma alternativa política sólida, inspiradora e mobilizadora ao governo Lula.

Bolsonaro ameaça todas as semanas desembarcar na cena política brasileira com a única preocupação de defender a liderança social que lhe deu 49% dos votos nas últimas eleições. Todavia, apesar de não parecer, essa votação representa uma maldição para a direita – é insuficiente para ganhar futuras eleições e é demasiado expressiva para obrigar a mudar a liderança. Por um lado, não dá para ganhar as próximas eleições porque está bem de ver que o extremismo de direita afasta o centro político, decisivo para constituir uma maioria eleitoral. Por outro, não dá para promover uma mudança na liderança porque a direita brasileira parece ainda demasiado encantada com a nostalgia da ditadura e demasiado ressentida com os avanços na igualdade social das últimas décadas. Seja como for, o mal dos dirigentes da direita brasileira é que não se conseguem ver livres de Bolsonaro – não sei se é porque não querem ou se é porque não podem.

Depois temos Moro, a sua vaidade, a sua ambição e a sua mediocridade. Essa última caraterística é, aliás, aquela que mais sobressai no perfil político que construiu na campanha presidencial que se viu obrigado a abandonar. Nesse breve período passeou toda a sua copiosa vulgaridade e exibiu notória falta de qualquer espécie de brilho ou de inteligência política. No fundo, o que ficou absolutamente evidente na persona pública que construiu foi o desejo de fama e poder – à custa de quem fosse, como vários partidos puderam testemunhar. E, no entanto, cada vez que se fala de Moro o que nos vem ao espírito não é o seu despreparo político, mas a sua hipocrisia. Ele é e será sempre o que aproveitou o cargo de juiz para fazer carreira política. É e será para sempre o que astuciosamente usou a magistratura para ganhar um cargo no governo. É e será sempre aquele que foi capaz do gesto mais ignóbil da política brasileira dos últimos anos – usar a prisão contra o adversário político. Vê-lo apresentar-se como vítima da agressividade da política é simplesmente obsceno.

É esta a tragédia da direita: não conseguir ultrapassar esses dois personagens. O primeiro problema é que eles não permitem discutir nenhum outro assunto político da governança, pela elementar razão de que não sabem o que discutir senão eles próprios. Dessa forma, a direita nunca terá identidade programática. Depois, ambos estão associados a dois dos piores males da política – um, ao extremismo político, o outro, ao fingimento. Um tem como programa fazer do Brasil um país “semelhante ao que tínhamos há 40, 50 anos”. O outro só sabe falar de corrupção e do combate à corrupção, recorrendo a todos os meios, inclusivamente à corrupção das leis e do Estado de Direito, para servir aos seus propósitos justiceiros. De um lado temos, portanto, a nostalgia da ditadura e, do outro, o combate à corrupção visto não como instrumento de justiça ou de integridade, mas de promoção de uma carreira política. Num caso como no outro a permanência dos dois na vida pública só evidencia o profundo e lamentável vazio político da direita brasileira. Nem ideias, nem programa, nem liderança – nada. Deserto total.

Alguns dirão que a situação serve à esquerda. Que, enquanto durarem, Moro e Bolsonaro, a direita não conseguirá construir um projeto político ganhador no Brasil. Que, enquanto forem esses dois os protagonistas políticos da direita, nenhuma oposição será construída de forma sustentada e capaz de fazer face ao governo Lula. Talvez, talvez. Mas, se pensarmos no País, se pensarmos no interesse do Brasil, talvez seja tempo de parar com essa aventura. Talvez seja tempo de recusar ter a direita democrática refém da extrema-direita. Talvez seja tempo de ter a direita a olhar para a frente e não para trás. Talvez seja altura de a direita perceber que tem um sério problema de identidade – que a democracia exige o respeito pelo adversário, não o ódio ao inimigo político. E, assim, é tempo de se deixar de extremismos bacocos e de se preparar, como é seu dever, para servir à democracia, construindo uma alternativa política que possa, no futuro, merecer a confiança dos brasileiros. Isto, sim, exige lucidez e coragem. Lucidez e coragem para cortar em definitivo com Moro e Bolsonaro e para construir qualquer coisa nova, qualquer coisa de futuro, qualquer coisa pela qual valha a pena lutar politicamente. Lucidez e coragem. •

Publicado na edição n° 1253 de CartaCapital, em 05 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A tragédia da oposição’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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