Opinião

A tentativa de dominação da fé alheia é a faceta mais exposta do totalitarismo

Vemos uma sociedade lentamente saindo do torpor da manipulação, da mentira e do engodo

A tentativa de dominação da fé alheia é a faceta mais exposta do totalitarismo
A tentativa de dominação da fé alheia é a faceta mais exposta do totalitarismo
Foto: Caio GUATELLI / AFP
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“… as direitas francesa e inglesa, subversivas da ordem democrática como todas as direitas de todos os países e de todos os tempos, sempre olharam a Itália fascista e a Alemanha nazista com uma simpatia mal disfarçada. Para os reacionários da França e da Inglaterra o Duce e o Führer podiam parecer tipos com certeza meio incômodos, um tantinho mal-educados e excessivos.” – Giorgio Bassani, em “O Jardim dos Finzi-Contini”.

Essa também é a impressão que se tem da oligarquia nacional: sabem que o monstro nazista, homofóbico, machista, miliciano, entre outras péssimas características, mas continuam apoiando, porque defende a visão estreita de país com a qual se identificam.

No entanto, vemos uma sociedade lentamente saindo do torpor da manipulação, da mentira e do engodo.

As trevas vão se separando da luz, como o livro do Gênesis tão poeticamente descreve, e um novo Brasil vai surgindo da noite escura do autoritarismo.

No último debate, na TV Band, isso ficou ainda mais claro: Sérgio Moro voltou a assessorar o genocida. Criador e criatura novamente juntos. Frankenstein e seu doutor imersos na cloaca tóxica que os gerou.

Se a Velhinha de Taubaté ainda acreditava na isenção do juiz-marreco, certamente a imagem da união monstruosa entre o juiz ladrão e o ladrão sem juízo dissolveu a crença.

Trevas e luzes se apartam.

Do lado das luzes, os Arcebispos de Aparecida e São Paulo levantam o cajado e alertam os fiéis católicos de que o fascismo já está instalado; tempos ainda muito piores poderão vir se houver reeleição da extrema-direita.

Igrejas já são invadidas, padres acossados, a fé do outro, desrespeitada.

O totalitarismo aparece em sua faceta mais exposta: a tentativa de dominação do credo alheio. O desrespeito ao cerne do ser humano. A negação de suas escolhas, liberdade e humanidade.

Mas as trevas não ficam. É da natureza delas a não-permanência, seja porque são intrinsecamente precárias, seja porque estar implica ser.

Com efeito, embora em português tenhamos dois verbos distintos para ser e estar, em várias outras línguas isso não ocorre; é o caso do inglês, do francês e do italiano, dentre outras, que assimilam ser a estar.

De fato, somos mais na medida em que estamos.

O próprio Cristo é um símbolo potentíssimo disso: foi porque esteve, se fez carne a habitou entre nós.

O desafio do ser, portanto, é estar: junto aos que ama e em luta também pelos que não ama.

Estruturas desiguais, injustas, não trazem dano apenas aos oprimidos, mas também aos opressores, na proporção em que não vivem todas as vidas, as realidades, as belezas de uma humanidade tão rica como a nossa.

Quem não conhece o lado duro da vida não pode entendê-la, ser ou estar plenamente consciente da riqueza que a vida oferece, praticamente infinita em termos de percepções, sensações e possibilidades.

As limitações são unicamente impostas por objetividades e subjetividades doentias, ditadas por egoísmo, insegurança e medo.

Mas como pode ser feliz quem vive no medo, na insegurança, no egoísmo?

De fato, ao não estar ao lado da justiça, inclusive a socioeconômica e ambiental, o quanto estão os opressores no mundo? O que conhecem dele? O que são realmente?

Uma das obras que mais aprecio do grande escritor estadunidense Mark Twain é “O príncipe e o mendigo”. Nela, dois jovens decidem trocar seus lugares na sociedade por certo tempo, a fim de conhecerem a vida por outro prisma que aquele em que suas respectivas classes sociais os encerraram.

A riqueza que decorre dessa experiência é impressionante, descortinando para ambos os protagonistas um universo totalmente desconhecido, uma vez que a vida fora vivida, até então, em apenas uma das margens do fantástico rio da existência. Poder estar na outra margem fez deles literalmente outras pessoas, ampliando seus seres, por terem estado do outro lado da barreira socioeconômica que a sociedade lhes impusera, verdadeiro cativeiro da liberdade.

Mas nós, mulheres e homens, animais e vegetais, fomos todos feitos para a liberdade!

Para voos altos, para o diálogo, o conhecimento e o relacionamento. Para sermos e estarmos onde quisermos, com quem quisermos, sempre que quisermos.

Somos seres de luz, não dos segredos, dos sigilos, das manipulações, cercadinhos, corrupção e crimes políticos.

Somos da claridade, da comunidade, da participação.

Estejamos mais conscientes, sejamos presentes para os outros.

No dia 30, busquemos derrotar as trevas do fascismo.

Renasceremos, assim, para a vida e a liberdade.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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