Opinião
A tentativa de calar artistas e jovens é expressão de violência e fraqueza
Vejamos quantas possibilidades de luta e vitória estão à nossa frente, pois o outono, ao derrubar as folhas, prepara a primavera
“Devemos acreditar que a bondade que existe em nós e neste mundo será realizada. Esta é a condição primordial para fazer isto acontecer.”
Leon Tolstoi.
A tentativa de calar artistas e jovens por parte das ditaduras ilegítimas (como aquelas resultantes de golpes de estado, por exemplo) é, por um lado, expressão de violência; por outro, de fraqueza, contradição que todo ato violento encerra, valendo tanto para os institucionais quanto para os pessoais.
Em “Não matem o futuro dos jovens” (editora Dalai), de Don Andrea Gallo, o sacerdote italiano recorda: “Nem a democracia é uma conquista para sempre, como demonstram muitas páginas da História. Tornamo-nos muito ricos em tempo muito curto, sem conseguir exprimir cultura difusa de interesse do Estado e do interesse geral.”
A afirmação aplica-se perfeitamente e não apenas à Europa, Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália, mas também às classes dominantes dos países do Sul, em que se nota a falta de senso comum – tanto no sentido de bem comum quanto de sentido partilhado por todos e todas -, por parte das oligarquias e representantes delas no Executivo, Legislativo, Judiciário, Forças Armadas e burocracia do Estado (principalmente as polícias).
Naquela obra, Don Andrea recorda aos jovens as palavras do Cristo: “Batei e vos será aberto”. Adiciona ao chamamento do Mestre”…mas se insistirem em não querer vos abrir, então botem a porta abaixo.”
A semelhança com o que ocorreu na Itália sob Berlusconi não é, evidentemente, coincidência com o que ocorre no Brasil, desde o golpe de estado de 2016. Trata-se de projeto de recolonização, em que o futuro dos jovens é suprimido, para reduzi-los a mera força de trabalho – e alguma, oportunística, capacidade de consumo.
O padre italiano ilustra como esse processo se desenvolveu lá e aqui: “Primeiro, ‘reformaram’, retirando fundos a tudo que era útil para o futuro, reduzindo-os na escola, na pesquisa, nas universidades, na modernização produtiva, dessa forma cortando com o machado até as perspectivas de trabalho dos jovens. A escola pública é sempre mais oprimida e esvaziada para vantagem das privadas…” vale o duplo sentido da palavra, no caso…
No outro polo, as recomendações amorosas de Paulo Freire, por um ensino contextualizado, incluído na sociedade e inclusivo de todas e todos.
Em “Paulo Freire – vida e obra”, coletânea de textos sobre o patrono do ensino no Brasil, organizada por Ana Inês Souza (editora Expressão Popular), lemos no ensaio de Marilene A. Amaral Albuquerque: “Colocar-se como co-participante do grupo, numa relação radicalmente dialógica e amorosa, é uma opção político-pedagógica. Assumir-se professor, educador democrático, que está com os educandos, e que, saindo, fica…deixando saudades…”.
Complementando esse pensamento e citando o próprio Paulo Freire, temos: “Ele deve viver a relação entre a sua posição de quem já sabe algo e a posição do educando procurando saber aquilo.”
Marilene complementa: “…segundo Freire, o conhecimento não se transfere, se sabe, se conhece, se cria, se recria, curiosamente, arriscadamente.”
No belo texto dela, cujo título é elucidativo “Sobre a educação: diálogos”, também podemos fruir a respeito: “…e tem, como fio condutor, a compreensão da educação como um processo de emancipação dos seres humanos, enquanto classe ou como indivíduos; uma proposição ideológica;…”.
Em outro texto da coletânea, de Ana Inês Souza, colhemos a seguinte orientação, com base nos ensinamentos de Freire: “Os conteúdos escolares seriam discutidos a partir dos problemas reais das comunidades, depois de pesquisa feita em grupo, o que, além de identificar o educando com o seu contexto, o exercitaria para a solidariedade de equipe. Em outras palavras, uma das preocupações de todos os pensadores socialistas da educação, que é a formação da personalidade coletivista, também se fazia presente em Paulo Freire. Entretanto, o autor alertava para que não se descuidasse também da individualidade do educando.”
Na mesma coletânea de textos, Sônia Fátima Schwendler cita Freire, de forma muito atual, sobre a imposição da censura: “Na cultura do silêncio existir é apenas viver. O corpo segue ordens de cima. Pensar é difícil; dizer a palavra, proibido.”
Numa época em que o preconceito etário é tão marcado, vale a reflexão de Miguel Arroyo na mesma coletânea: “Educar é uma relação entre pessoas, sobretudo entre gerações.”
Para isso, é necessária uma cultura que entenda a sociedade como um conjunto de pessoas que se complementam, com saberes diversos e complementares, não competitivos, com ganhadores e perdedores, categorias forjadas pelo capitalismo para justificar as injustiças, desigualdades e mortes que gera sem cessar, na busca da maximalização dos lucros.
De forma bela e coerente, Arroyo complementa: “O ser humano só se educa em relação com outros seres humanos.”
Apesar dos desastres em que estamos imersos, o pior deles o do governo ilegítimo, abramos nossas perspectivas com base nessas lentes libertárias e vejamos quantas possibilidades de luta e vitória estão à nossa frente, pois o outono, ao derrubar as folhas, prepara a primavera.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Um minuto, por favor…
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.
Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.
Assine a edição semanal da revista;
Ou contribua, com o quanto puder.