Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

A tal história da melancia

O caso do adolescente que havia sido suspenso por um dia da escola onde estuda porque levou uma fruta inteira para dividir com colegas

Foto: iStock
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Quando bati os olhos nas redes sociais, logo cedo, e me deparei com uma enxurrada de posts sobre a história da melancia, tentei entender o caso de um jovem adolescente que havia sido suspenso por um dia da escola onde estuda, na zona leste de São Paulo, porque levou uma melancia inteira a fim de reparti-la com os colegas.

Pensei, mas que diabo de escola é essa que suspende um garoto tão generoso, que queria distribuir uma enorme melancia, com os amigos, as amigas, com quem quisesse dar uma colherada. Sim, ele levou uma colher, uma única colher, apesar da pandemia que ainda nos roda, para que todos pudessem desfrutar (com trocadilho) daquela suculenta melancia.

Deu de tudo nas redes sociais. Claro, aqueles que, sem ler a noticia até o fim, já foram logo crucificando a escola e espalhando o #liberamelancia mundo afora. Até Bela Gil, que inventou o churrasco de melancia no seu programa no GNT, entrou na confusão dizendo pois é, a melancia sempre causando.

Pensei no custo da brincadeira, já que na semana passada deixei de comprar um pedaço da fruta que custava 12 reais, apenas um pedaço de nada, que não daria para fazer um copo de suco. Essa super melancia deve ter custado os olhos da cara, imaginei. Será que foi ele quem pagou, ou seus pais e ele a surrupiou na fruteira?
Entrava em sites de humor, em sites de política criticando o ministro da Educação e seus pastores, site falando da guerra na Ucrânia, do resultado do futebol e quando procurava mais abaixo, lá estava a história da melancia.

Na verdade, o jovem foi mesmo suspenso e ficou em casa o dia todo. Até a Sessão da Tarde e a reprise de O Clone ele assistiu. Só desligou a televisão na hora do SPTV, com medo de ver a história da melancia na tela da Globo.

Na verdade, ele levou mesmo a tal melancia inteira pra escola, não se sabe se na mão, numa sacola do Pão de Açúcar ou espremida e escondida dentro da mochila. Sei que ela passou pela catraca sem ser molestada e foi na hora do recreio que ele chegou com a novidade, no meio do pátio.

Foi um alvoroço. A escola inteira, parecia que faminta, se arvorou em cima daquela bola redonda e verde e vermelha e, num piscar de olhos, já tinha melancia voando pra todo lado. Uns comeram, outros se divertiram: fizeram colar, jogaram pedaços no vaso sanitário, no chão, provocando escorregões e tudo mais.

O negócio é que a direção da escola não gostou nem um pouco da algazarra, chamou o responsável por aquela revolução vermelha numa escola tão respeitada e mostrou para ele um cartão, também vermelho.

Pelo que senti nas postagens, cinquenta por cento da população de São Paulo ficou do lado dele e quarenta por cento do lado da escola, isso porque 10 por cento dos entrevistados não souberam responder. Lembrando que a margem de erro é de dois pontos pra cima, dois pontos pra baixo.

Depois que o garoto cumpriu a pena, a poeira baixou, os pitacos nas redes sociais foram escasseando, eu me lembrei do dia em que fui suspenso do Colégio Arnaldo, onde estudou o Carlos Drummond de Andrade, porque fui com uma camiseta do vovô, a última moda entre os hipongas. Eu não deixei por menos. Na surdina, combinei com todos da minha classe de irem com a camiseta do vovô, uma camiseta branca, colada no corpo, sem gola e com três botões na frente. Dito e feito. Quando todos chegaram vestindo a camisa do vovô no Colégio Arnaldo, acredite, eles liberaram o uso.

Seria como aquele jovem levar, no dia seguinte à suspensão, uma outra melancia. Não foi o que aconteceu.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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