Alessandra Nilo

É integrante sherpa do Civil 20 (C20) 2024 e coordenadora geral da ONG Gestos Soropositividade, Comunicação e Gênero

Opinião

A sociedade civil internacional nas agendas de transição justa e de desenvolvimento

Alcançar uma transição justa acessível e inclusiva exige o financiamento prioritário de projetos de desenvolvimento sustentáveis

Foto: Nelson ALMEIDA / AFP
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Historicamente a sociedade civil, particularmente do sul global, tem pautado e insistido na necessidade de uma transição energética justa, acessível e inclusiva para o desenvolvimento sustentável e para uma nova dinâmica da cooperação internacional. As organizações que atuam na defesa de direitos e bens comuns – foram e continuam a ser, por exemplo, a voz mais ativa contra a ideia hegemônica de que os mercados desregulados seriam a solução para garantir os recursos necessários a essa transição. Eles não foram e, quando o mantra do “lucro acima de tudo” venceu, 99% da humanidade perdeu.

Chegamos a um ponto de inflexão da história, um contexto de poli crises –perda de biodiversidade, emergência climática e econômica– difícil de controlar porque vivemos também uma imensa crise de governança mundial, resultante de algo que denunciamos há décadas e que, mais uma vez é pauta do G20: a imensa desigualdade de poder entre os países.

A sociedade civil não foi escutada, as evidências que apresentamos década após década foram negadas e hoje, enquanto falamos sobre resiliência e mitigação de crises pré-anunciadas, testemunhamos mais de 30 conflitos sangrentos no mundo, com o da Ucrânia chegando ao seu segundo ano essa semana e a inegável tentativa de extermínio do povo palestino chegando a um ponto máximo de crueldade humana.

Certamente, mais que nunca, precisamos de um sistema multilateral coerente e equilibrado e a sociedade civil nunca teve medo de colocar o dedo na ferida, sempre atuando de forma crítica-propositiva, mostrando que, na vanguarda, estão sempre as soluções baseadas em direitos. Por isso insistimos sobre o “direito ao desenvolvimento”, ao mesmo tempo questionando a situação neocolonial das nações endividadas, com o Sul global preso em armadilhas e condicionalidades impostas pelo Norte.

E enfatizamos: se instituições multilaterais estão falhando, os países do G20 têm responsabilidade sobre isso e, até agora o grupo, tampouco, trouxe as soluções aos vários problemas que ele mesmo causou.

Este ano o Civil 20 (C20), grupo de engajamento criado em 2013, sob a presidência da Rússia mecanismo de diálogo formal da sociedade civil com o G20, entregará suas recomendações em julho aos sherpas do G20 insistindo no senso de urgência. Porque, por exemplo, o tema da “transição energética” tratado pelo G20 pela primeira vez em 2010, só ganhou força a partir de 2019, no Japão. Ele foi depois enfraquecido na Arábia Saudita (não por acaso), voltou na Itália, mas só se tornou realmente relevante a partir do “Roadmap para Transição Energética” aprovado na Indonésia, em 2022. Ou seja, mais de uma década na qual a crise climática só se agravou, com respostas lentas e insuficientes.

A expectativa do mundo para este G20, sob a presidência do Brasil é imensa, mas não podemos depender da “vontade política” dos governos e de contribuições voluntárias para financiar a transição justa. Precisamos de acordos vinculantes, mecanismos inovadores e previsíveis de financiamento e sistemas de governanças transparentes, capazes de implementar os compromissos firmados. Afinal, o desafio não é, como tem pautado o setor privado, apenas aumentar o financiamento para a área, é preciso sobretudo sair dessa economia baseada em petróleo, controlar as externalidades negativas dos atuais negócios insustentáveis e aumentar a regulação e a tributação sobre eles.

O C20 apoia as prioridades brasileiras do G20, mas cobraremos maior efetividade e maior coerência política do grupo em 2024, que precisa criar mecanismos de accountability e implementar os acordos que assinou porque já aprendemos que o alcance das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), do Acordo de Paris e da Agenda de Financiamento para o Desenvolvimento, não ocorrerá via financiamento privado da forma como age hoje: não são mercados e sistemas desregulados – e blindados – que nos conduzirão à transição justa e inclusiva e tampouco promoverão direitos, como mostram as evidencias: em 2023, por exemplo, segundo a Forbes, o investimento privado concessional caiu 40,5%.

O melhor caminho é o da democracia econômica, precisamos de convergência entre a trilha de financiamento e a pauta dos direitos ambientais, sociais e econômicos, que precisam passar a caber nos orçamentos públicos. Nós sabemos que a crise não é financeira, não nos faltam recursos no mundo. Nossa crise é sobretudo política, social e ética, com sociedades vendo os valores de solidariedade, igualdade e fraternidade forjados a duras penas nos últimos séculos trocados por discursos de ódio, pelo avanço do fascismo e das fake news, em comunidades e territórios onde a ciência é questionada e os fundamentalistas ganham mais espaços de decisão e poder.

Alcançar uma transição justa acessível e inclusiva exige o financiamento prioritário de projetos de desenvolvimento sustentáveis. É por isso que o C20 vai atuar: por um sistema de governança e políticas públicas democráticas, inclusivas, antirracistas, decoloniais, promotoras da igualdade gênero e que respondam, de forma inequívoca, à emergência climática que enfrentamos, para que vivamos em segurança, livres da fome, dos preconceitos e da discriminação, sem medo das violências e das guerras, em harmonia com a natureza e com as pessoas a quem amamos.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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