Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

A saudade mata a gente

Eu sentia saudade de coisas que todo mundo sente quando voa para fora do Brasil

Foto: istock
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Naqueles anos 1970, nós, exilados em Paris, morríamos de saudade de muitas coisas do Brasil. Era uma época analógica em que ainda não havia para gente essa tecnologia que nos deixa mais próximos.

O quê, por exemplo?

A voz das pessoas, do meu pai contando piadas, da minha mãe e seus temores, dos meus irmãos. Eu sentia saudade de coisas que todo mundo sente quando voa para fora do Brasil: feijoada, guaraná, farinha de mandioca, goiabada cascão, jabuticaba, carambola, essas coisas.

Tinha saudade do ensopadinho de chuchu, do quiabo gosmento, da mandioca frita, do frango ao molho pardo, da moqueca capixaba, do arroz com pequi, do bolo de rolo. Isso no quesito comida.

Eu tinha saudade de entrar numa livraria e folhear um livro novo do Rubem Fonseca, um livro novo do Jorge Amado, comprar Fazenda Modelo, do Chico, Dentes ao Sol, do Ignácio de Loyola Brandão, Os últimos dias de Paupéria, do Torquato Neto.

Tinha saudade da vitrine das Lojas Gomes, com os discos novos de Caetano, Gil, Gal, Milton, Egberto Gismonti, Edu Lobo, Tom Jobim e Zé, expostos na vitrine.

Tinha saudade também de coisas que não dão saudade. O quê? A voz daqueles caras do supermercado dizendo: somente agora, quem comprar duas unidades do sabão em pó Rinso a terceira é de graça. Corra que está acabando!

Tinha saudade da flauta do amolador de facas que passava na rua toda sexta-feira, do comercial do desodorante Rexona na televisão, da trilha sonora do Repórter Esso, dos comentários do Cafunga no rádio de pilha do meu irmão.

Tinha saudade do sol, do vento quente de Maceió, do mormaço de Manaus, das montanhas de Minas, saudade de folhear o Jornal dos Sports e me sentir um pouco carioca, da Fatos e Fotos, das matinês do Cine Pathé, de beber um Mate-Couro estupidamente gelado no balcão da Padaria Savassi.

Adolfo era físico tinha saudade do acarajé, Zeitona tinha saudade de coxinha, Ceará tinha saudade do coco gelado na praia de Fortaleza, Juan do ceviche de uma birosca em Lima, Ana Maria das noitadas de violão e fumo na lagoa do Abaeté, essas pessoas, essas saudades.

Estávamos longe, dez mil quilômetros daqui, mas a medida que o tempo passava sentíamos anos luz distantes de um pastel de feira, de uma mousse de cupuaçu, de uma farofa de couve, da pimenta malagueta.

Eu tinha saudade dos vendedores de loteria na Praça Sete gritando olha o jacaré pra hoje! Tinha saudade dos letreiros Bar e Lanches, do açucareiro do Café Palhares, do abacaxi do Mercado Central.

Outro dia encontrei com Adolfo, aquele físico que tinha saudade do acarajé, e ele me contou que, hoje, ele morre de saudade de um coq au vin.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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