Henry Bugalho

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Henry Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR e especialista em Literatura e História. Com um estilo de vida nômade, já morou em Nova York, Buenos Aires, Perúgia, Madri, Lisboa, Manchester e Alicante. Por dois anos, viajou com sua família e cachorrinha pela Europa, morando cada mês numa cidade diferente. Autor de romances, contos, novelas, guias de viagem e um livro de fotografia. Foi editor da Revista SAMIZDAT, que, ao longo de seus 10 anos, revelou grandes talentos literários brasileiros. Desde 2015 apresenta um canal no Youtube, no qual fala de Filosofia, Literatura, Política e assuntos contemporâneos.

Opinião

A sanfona do deboche

Enquanto outros chefes de Estado demonstraram compaixão, tudo que o presidente do Brasil tinha a expressar era desprezo

Presidente Jair Bolsonaro durante live.
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Um painel da TV portuguesa comentava a última do Bolsonaro, mais uma vergonha internacional para a coleção do presidente do Brasil: a cena patética da mais recente live dele, na presença da habitual intérprete de Libras, do ministro da Economia Paulo Guedes e, logo atrás, do sanfoneiro, Gilson Machado Neto, o atual presidente da Embratur.

Todos sabemos como Bolsonaro tem lidado com a pandemia do novo coronavírus. Desde março, em seus pronunciamentos públicos, tanto no cercadinho diante do Alvorada quanto até em rede nacional de TV, Bolsonaro minimizou e negou a gravidade da situação.

Disse que a covid-19 era apenas uma “gripezinha ou resfriadinho”, que só mataria idosos e pessoas com problemas crônicos, que ele não era coveiro para ficar dando declarações sobre os mortos, e assim por diante, causando horror em uma grande parcela da população brasileira que se descobria abandonada pelo governo federal. Se virem!

Enquanto outros chefes-de-Estado demonstraram compaixão, respeito à memória dos falecidos, reverência aos profissionais de saúde na linha de frente, tudo que o presidente do Brasil tinha a expressar era desprezo e falta de sensibilidade.

 

Então o país atingiu o triste recorde de 50 mil mortos pela doença, sendo que, dada a conhecida subnotificação dos casos na ausência de testes, este número pode ser ainda maior. Nem sequer vimos o pico da pandemia ainda no Brasil, então esta lamentável marca certamente atingirá patamares mais altos. Caio Coppolla, um comentarista político cria do reacionarismo semeado em parte da programação da Jovem Pan e atualmente um debatedor da CNN, é um típico produto desta era bolsonarista — chegou a comparar, em tom de deboche, a pandemia a engasgamentos, que não haveria tantos mortos assim, opunha-se ao isolamento social posto que, nos EUA, falecem “tão somente” 5 mil pessoas por ano. Pois bem, nos EUA já são mais de 128 mil mortos pela covid, enquanto no Brasil serão mais de 60 mil ainda nesta semana. Diante desta marca, Bolsonaro resolveu prestar sua primeira homenagem às vítimas, e foram estas as cenas que acabaram indo parar na TV portuguesa.

O presidente anuncia a homenagem e o sanfoneiro/presidente da Embratur começa a tocar a algo que se parece com uma música. Depois entra a cantar a Ave Maria (que parece ser a de Schubert) e dificilmente acerta uma nota.

A intérprete de libras balança o corpo de um lado a outro, ao ritmo da canção. Paulo Guedes permanece estático, petrificado, como se houvesse sido substituído por uma estátua de cera; mal dá para distinguir se está constrangido, se está segurando o riso ou se está emocionado. Uma verdadeira incógnita.

Já Bolsonaro não para de se mover, mexe nos papéis diante de si, nos óculos, olha para cima, para os lados, parece que tem formigas no rabo, como diria a minha mãe. Nem para uma homenagem, por mais tosca que seja, Bolsonaro consegue compreender o conceito de “solene”. Desrespeita a própria homenagem que pretende realizar.

Toda a cena é absurda, grotesca, extraída do mais bizarro esquete de humor.

O fato é que a presidência de Bolsonaro torna o trabalho de humoristas infinitamente mais fácil, ou talvez mais difícil. Todo o ridículo já vem pronto, não precisa forçar as tintas para descobrir o elemento cômico. E tudo é cômico e trágico ao mesmo tempo.

É risível porque é estupidamente ridículo que o ocupante do cargo mais alto do Executivo se preste a este papelão. É trágico porque estamos falando de várias dezenas de milhares de mortos que simplesmente foram abandonadas e prejudicadas pela incompetência do governo federal.

Alguns pensam que isto não é mero descaso, que se trata de um projeto. Alguns falam em genocídio, em limpeza social, em eugenia. Segundo esta visão, o coronavírus está fazendo o trabalho sujo por Bolsonaro, assim ele não precisa macular as mãos matando pobres, pretos, idosos, doentes… Querem que ele seja julgado por crimes contra a humanidade em um tribunal internacional.

Em 1999, numa entrevista à TV, Bolsonaro afirmou ser a favor de uma guerra civil no Brasil na qual morressem 30 mil pessoas — incluindo inocentes, posto que em toda guerra morrem inocentes. Estamos chegando agora ao dobro disto. Será que ele, ao deitar sua cabeça no travesseiro à noite após uma longa jornada de destruição do Brasil e da imagem do país no mundo, tem a sensação de missão cumprida?

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