Richard King

Pesquisador sênior da Chatham House

Opinião

A riqueza fundiária do Brasil deve ser protegida – para o nosso bem

O Brasil está perto do topo do Índice de Riqueza Fundiária, mas existe o risco de que ela seja corroída pelas mudanças climáticas e pela expansão pecuária

Mais do que a concentração fundiária, com o avanço de tecnologias poupadoras de mão-de-obra, o que sobrará para caboclos e campesinos?
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A terra sempre foi um ativo estratégico. Guerras foram travadas e sindicatos negociaram em prol de territórios. As terras produtivas, ou as terras que dão acesso às rotas comerciais, têm sido as mais valorizadas – e contestadas.

A terra também pode ter valor cultural, religioso e histórico: como mostra a tragédia que se desenrola em Gaza neste momento. Com exceção de certas áreas distintas, ou de disputas territoriais contidas, tem havido geralmente terra suficiente para todos. Mas isso está mudando.

As crescentes exigências de produção de alimentos, armazenamento de carbono e geração de energia significam que a humanidade enfrenta uma grave “crise fundiária”, na qual a terra, apesar da sua aparente abundância, será cada vez mais definida pela sua escassez.

A competição por terras produtivas e ecologicamente valiosas, e pelos recursos e serviços que elas fornecem, deverá se intensificar nas próximas décadas. Serão necessárias mais terras para produzir alimentos e energia, sequestrar carbono para mitigar as alterações climáticas e apoiar a biodiversidade. Em muitos casos, este será um jogo de soma zero, com a decisão de utilizar a terra para um fim, restringindo a sua utilização para outro.

Caminhamos para um ponto de virada em que o planeta já não será capaz de sustentar as crescentes exigências que lhe colocamos. A menos que mudemos o rumo, isso resultará em conflitos, aumento da fome, alterações climáticas descontroladas e escalada da instabilidade política.

O Brasil está relativamente bem preparado para enfrentar esse futuro incerto. O nosso novo relatório designa o Brasil como uma “superpotência fundiária” com base na quantidade de terra que possui e na sua qualidade, juntamente com outros fatores, e coloca-o perto do topo de um Índice de Riqueza Fundiária, juntamente com os EUA, a Rússia, a Austrália e a China.

No entanto, também identificamos os riscos que o Brasil e outros países enfrentam – sejam eles ricos ou pobres em terras – e argumentamos que, a menos que comecemos a tratar a terra como um bem estratégico, a valorizá-la adequadamente e a cooperar sobre as melhores formas de utilizá-la, o conflito pela terra definirá todos os nossos futuros.

Por enquanto, o Brasil está perto do topo do Índice de Riqueza Fundiária, mas existe o risco de que a sua riqueza fundiária seja corroída pelas mudanças nas condições ambientais, como os enormes incêndios florestais na Amazônia em 2019 e 2022, ou desperdiçada na busca por ganhos econômicos imediatos.

Na verdade, na nossa análise dos diferentes indicadores de riqueza fundiária, o Brasil tem uma pontuação baixa nas “tendências” futuras, como resultado de perdas recentes no habitat das espécies e na cobertura arbórea, do aumento da busca por terras e pela diminuição da produtividade da terra.

Espera-se também que o Brasil, a China, a UE, a Rússia, os EUA e a Argentina aumentem consideravelmente os rebanhos pecuários domésticos nos próximos 20 anos. Isto irá agravar a exploração excessiva de terras agrícolas e a perda de cobertura arbórea e de habitats, bem como aumentar as emissões de metano, o que acelera as alterações climáticas.

As exigências concorrentes por mais terras agrícolas para a produção de alimentos, terras para o cultivo de biocombustíveis e a conservação das terras para a biodiversidade e a mitigação das alterações climáticas significarão que o Brasil terá de tomar decisões cuidadosas sobre como utilizar a sua riqueza fundiária no futuro.

Essas decisões são importantes não apenas para os brasileiros, mas para o mundo. As maiores reservas “irrecuperáveis” de carbono do mundo encontram-se nas florestas tropicais e nas turfeiras da Amazônia. Mantê-los armazenados nas árvores e no solo é fundamental para evitar mudanças climáticas descontroladas. As florestas primárias tropicais como as do Brasil também sustentam pelo menos dois terços da biodiversidade mundial. A sua proteção representa, portanto, um “duplo dividendo”.

Países ricos em terras, como o Brasil, ocupam uma posição importante nas relações internacionais como guardiões de reservas ecológicas de importância global. No entanto, isto depende da sua capacidade de restaurar terras degradadas e de criar resiliência aos choques ambientais. Devem ser apoiados para o fazer, nomeadamente através de sistemas globais que financiem a gestão da terra.

Outras reformas políticas que todos os países deveriam realizar para reduzir a pressão sobre a terra incluem o incentivo a mudanças no sentido de dietas mais baseadas em vegetais, a redução do desperdício alimentar e a dependência menor – agora e no futuro – da energia proveniente dos biocombustíveis e do sequestro de carbono através deles.

Os governos devem agir em conjunto sobre o clima, a natureza e a alimentação e ter em conta as compensações. Devem trabalhar em conjunto para melhorar a comunicação e a responsabilização em torno do uso da terra e antecipar e comunicar melhor os riscos futuros. Governar, reduzir e dar prioridade aos usos coletivos da terra não será fácil, até porque não existe um órgão de decisão política global que supervisione esta questão.

Além disso, fazer isto corretamente exige que concedamos interesses políticos nacionais a curto prazo, em prol da sobrevivência a longo prazo – como é o caso das alterações climáticas. Escolhas difíceis e compromissos pragmáticos terão de ser feitos. Mas agir mais cedo ou mais tarde é do interesse de todos os nossos interesses.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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