Opinião

A revolução é transgênero, negra, interiorana, periférica, africana, oriental e ocidental

E veio do ‘fim do mundo, das periferias’, como predissera o Papa Francisco!

Liniker e os Caramelows (Foto: Leila Penteado / Divulgação)
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“A verdadeira alegria só pode ser experimentada por aquele que se distancia de seu ego que procura sempre ter e agarrar as coisas.” Anselm Grün.

A imagem do ego não dista do espelho, do reflexo de Narciso nas águas, que refletiam a própria figura dele, encantando-o, a ponto de trocar a contemplação pela própria vida, abdicando desta em favor daquela.

No nosso processo de “individuação” (conceito elaborado pelo criador da psicologia analítica Carl Gustav Jung) temos de lutar contra efígies longamente introjetadas para obtermos a libertação e a compreensão do caminho a seguir.

Nenhum processo libertário poderia prescindir dessa luta, diuturna, cuja mecânica pode ser perfeitamente transposta do âmbito individual para o coletivo.

Atualmente, o amálgama da nação Brasil enfrenta um de seus momentos mais desafiantes nesse processo de “individuação coletiva”.

Nos governos Lula e Dilma – mas também Jango, JK, Gegê (de 50 a 54) e na Chancelaria de Rio Branco em plena República Velha – experimentamos algo do que poderia ser nossa missão no concerto das nações: a luta contra o colonialismo, com seus corolários de combate à fome e à pobreza – de forma mais ampla.

A propósito, dia 29 de novembro, transcorreu mais um dia internacional de solidariedade com o povo palestino.

Para comemorá-lo, foi chamado à tribuna da ONU um jovem cidadão palestino, habitante de Jerusalém Oriental, território palestino em processo de violento despejo por parte dos ocupantes israelenses, ilegais e ilegítimos.

Que lição de geopolítica deu aquele jovem! Que clareza em entender – na pele – que a atual política israelense é o velho colonialismo, sem qualquer disfarce – violento e estúpido como sempre foi.

A fala daquele jovem também ilumina o processo de recolonização por que, dolorosamente, passa o Brasil. O papel de Israel, também aqui, fica evidente, como agente terceirizado a serviço do império.

Com efeito, não são fortuitas as bandeiras de Israel nas manifestações pró-genocídio por mais contraditórias que sejam ao serem confrontadas com a barbárie do Holocausto. Prestam-se aqui à manipulação de setores evangélicos e católicos de extrema-direita – próximos do genocida, da esposa e da ministra da goiabeira – sobre parte da população mais manipulável, no desespero desta em presumir a simplória – mas literalmente vital em muitos casos – teologia da prosperidade.

Triunfam, destarte, os maus, mas por quanto tempo o mal subsiste? A História nos mostra que o período pode até ser longo, mas tem um fim, sem sombra de qualquer dúvida, e o final, em ambas as latitudes, já se detecta.

No entanto, aquele bravo jovem palestino recordou a importância de se estar do lado certo da História, do lado do bem. Ousado, chegou a mencionar o massacre nos campos de concentração na Segunda Guerra mundial, perguntando por que o mundo não os parou antes? O mesmo genocídio, observou, ocorre atualmente na Palestina. De que parte estamos nós? Do silêncio cúmplice?

No Brasil, onde dezenas de milhões de pessoas padecem de fome, na miséria absoluta, de que parte estamos? Como lutamos? O quanto denunciamos?

Logo ou pouco mais tarde, a luz vencerá as trevas, inescapável certeza. Basta ver os atuais sinais da prevalência do bem sobre o mal no combate contra o déspota colonizador.

A clarividência do jovem palestino, qual Daniel profetizando a queda do império opressor da Babilônia, e as manifestações artísticas aqui, em toda a América Latina, no Caribe, na África, na Ásia e no próprio Oriente Médio dão-nos provas cabais de um alvorecer que se aproxima.

Uma lanterna para entender o estádio atual da batalha, pode ser o pequeno volume “Vinicius por Vinicius”, organizado por Maria Lucia Rangel, editado pela Companhia das Letras.

Amiga pessoal do Poetinha, Maria Lucia compilou 150 frases do poeta e diplomata. São preciosidades para nossa reflexão como: “Não quero ser um poeta transcendental. Quero ser um poeta dentro da vida…Eu acho que, a não ser no caso de poetas completamente esotéricos ou então alienados, a poesia em si é uma coisa engajada, porque seu maior engajamento é em relação à vida…O fato de minha poesia ter comunicação é resultante de uma opção determinada por minha vida, por minha experiência de homem, depurada nos lentos filtros da poesia. […] O poeta, como qualquer outro ser humano, é fruto do seu meio e da sua formação.”

Contemporaneamente, descobri Liniker e os Caramelows. Quanto tardei!

Por isso, não mais esperemos que a revolução venha. Ela já chegou!

O grupo existe desde 2015, liderado por Liniker, que é trans, negra e interiorana (como interiorano também, faço questão de resgatar o termo do preconceito metropolitano, pois palavras encerram conceitos e estes podem encerrar preconceitos, que não cabem no mundo novo).

Liniker é da heróica Araraquara, terra do excelente prefeito Edinho do PT; do corajosíssimo hacker Walter Delgatti; do revolucionário diretor de teatro Zé Celso Martinez e do não menos excelente escritor Ignácio de Loyola Brandão, além da antropóloga Ruth Cardoso.

Quem, como eu, não havia visto Zero, de Liniker e banda, não pode avaliar como a aurora de um novo tempo está próxima.

A força de alguém que canta com a força, a emoção e o amor de – ouso dizer – todos os gêneros é imbatível – e por isso assusta os narcisistas; não pode ser aprisionada, refreada ou suprimida, mesmo em meio à escuridão que atualmente vivemos no Brasil.

Por isso, não mais esperemos que a revolução venha. Ela já chegou!

E veio do “fim do mundo, das periferias”, como predissera o Papa Francisco!

É transgênero, negra e interiorana, periférica, africana, oriental e ocidental.

Portanto, não deixem de ouvir, ver e sentir Liniker e os Caramelows. Convirão comigo que o novo, a luz, não tarda, para o Brasil, a Palestina e o mundo, incluindo até mesmo os colonizadores, prisioneiros de imagens irreais, espectros que lhes impedem a entrada na vida real, nos gozos reais, no que a vida nos reserva de melhor: o amor.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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