Educação

A quem realmente serve a alimentação escolar?

Com a retomada gradual das aulas, a alimentação nas escolas voltou a ser oferecida, mas a qualidade da comida preocupa

Merenda|Merenda escolar
|Professora ensina os alunos a temperarem salada que irão consumir merenda alimentação escolar saudável|merenda alimentação escolar saudável
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Chegamos praticamente ao final de 2021, um ano de muitos desafios e preocupações. Por um lado, temos a vacinação contra a Covid-19 avançando, mas, por outro, a fome e a exclusão social continuam assolando nosso país. Para muitos estudantes, por exemplo, a refeição que faziam na escola era a única ou a principal do dia. No entanto, quando as escolas fecharam por conta da pandemia, a oferta da alimentação escolar para 41 milhões de estudantes da educação básica pública foi substituída por soluções que podem ameaçar uma das mais antigas políticas públicas que temos: o PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar. 

Como principais medidas para solucionar tal questão, em abril de 2020, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 13.987, permitindo em caráter excepcional a distribuição dos alimentos diretamente às famílias dos estudantes com o orçamento do PNAE, respeitando os princípios e as diretrizes do programa. Na prática, no entanto, estados e municípios iniciaram a distribuição dos alimentos de forma desigual por todo o país.

Isso se comprovou na pesquisa recente divulgada pelo Observatório da Alimentação Escolar (OAE) que revela que, nos últimos 15 meses, 23% dos estudantes ouvidos não receberam nenhum tipo de assistência alimentar. Além da falta de distribuição de alimentos e da irregularidade das entregas, os estudantes também sinalizaram a perda na qualidade da alimentação ofertada, mais focada em não-perecíveis, ficando de fora alimentos in natura. As normas do PNAE trazem uma série de diretrizes para ofertar a alimentação aos estudantes, com base no Guia Alimentar para a População Brasileira. São exigidos mais alimentos in natura e minimamente processados e proibidos alimentos ultraprocessados, além de indicarem cardápios definidos por nutricionistas que respeitam hábitos regionais do país. Além disso, 30% dos recursos repassados para sua execução, aproximadamente R$ 1,2 bilhões anuais, devem ser destinados à compra direta de alimentos da Agricultura Familiar.

Agora, com a retomada gradual dos alunos da rede pública às salas de aula, a alimentação nas escolas voltou a ser oferecida, mas a qualidade e saudabilidade da comida preocupa. De acordo com dados da pesquisa do OAE, muitas escolas ainda oferecem grande quantidade de alimentos ultraprocessados, e em mais da metade delas (52%) ainda funcionam cantinas onde são comercializados, sem nenhum tipo de regulamentação, alimentos de qualidade duvidosa.

Chama a atenção também o percentual de estudantes que relataram a oferta de biscoito salgado (79%) e de sucos industrializados (35%). Um artigo recente do International Journal of Health Policy and Management ressalta que o consumo dos ultraprocessados está associado a maiores riscos de obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, certos tipos de câncer e outras doenças crônicas não transmissíveis. 

Não há dúvidas quanto à intenção de setores econômicos, em especial da indústria de ultraprocessados, em acessar este mercado governamental, que adquire anualmente, apenas com recursos do Governo Federal, cerca de R$ 4 bilhões em alimentos, em todo o território nacional. Um  exemplo claro desse interesse são alguns  projetos em tramitação no Congresso. 

Um deles tentam garantir reserva de mercado para determinados alimentos, sem considerar as especificidades e os hábitos locais, além de retirar a prioridade de compra de agricultores familiares de grupos específicos, a exemplo dos quilombolas e indígenas; outro, projeto tenta viabilizar a transferência dos recursos do PNAE diretamente às famílias, por meio da transferência de recursos via cartão alimentação, que repercute no valor de escala do programa – as famílias compram os alimentos mais caros e favorecem a compra nas grandes redes de abastecimento e na aquisição de alimentos ultraprocessados, além de interromper as compras da agricultura familiar. Projetos que afrouxam as regras do PNAE tornando-o mais suscetível e refém dos modelos de gestão que já estão sendo incubados em prefeituras de grandes capitais. 

Vale ressaltar que o direito humano à alimentação adequada está previsto em nossa Constituição e o PNAE é reconhecido nacional e internacionalmente como responsável em garantir o acesso à alimentação para estudantes, com efeito importante na retirada do Brasil do Mapa da Fome em 2016 e na diminuição da prevalência da desnutrição no País.  Por isso, organizações como a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável continuam (e continuarão) se organizando para a defesa do programa.

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