Sidarta Ribeiro

Professor titular de neurociência, um dos fundadores do Instituto do Cérebro da UFRN

Opinião

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A quem interessa destruir o Brasil?

Sujeitos ocultos manipulam os fios dessa marionete tosca

A quem interessa destruir o Brasil?
A quem interessa destruir o Brasil?
Sidarta Ribeiro fundou o Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Foto: Luiza Mugnol Ugarte)
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Peço licença às leitoras e aos leitores, colaboradores e editores, a tod@s que fazem e curtem a revista, para chegar bem chegado neste espaço tão respeitado. Agô CartaCapital!

Como leitor da Carta desde os anos 1990, quisera eu realizar o sonho de me somar a ela em momento menos atroz. Nosso quase-país está doente e sangrando, espiralando rumo à degradação total das relações humanas e ambientais. No bicentenário da Independência, estamos nos afastando cada vez mais dela.

Após o impulso inédito à educação, saúde, ciência, cultura e esporte nos governos Lula e Dilma, o Brasil descarrilou feio. O orçamento para a ciência, por exemplo, que havia aumentado 400% em 12 anos, desde então desabou a níveis menores do que em 2003. Isso sem falar nos grandes equívocos ecológicos dos governos de PT e aliados (alô Belo Monte, meus pêsames), que Temer e Bolsonaro transformaram em hecatombe ecológica.

A quem interessa destruir o Brasil? Sujeitos ocultos manipulam os fios dessa marionete tosca. Desde o golpe de 2016, o Estado foi tomado por pessoas cuja missão é desmontá-lo. Regredimos ao extrativismo bruto que nos marca desde a invasão europeia, e as nossas contradições ancestrais proliferam.

No país precarizado que prende e mata pretos pobres por fumar maconha, farmácias vendem a quem tem dinheiro remédios caríssimos baseados na mesma erva, enquanto mercados e restaurantes servem alimentos contaminados com mais agrotóxicos do que em qualquer outra nação do mundo.

Classismo, machismo, homofobia e racismo se entrelaçam para amaldiçoar a alma brasileira. O racismo, em especial, explica muito da nossa dificuldade de construir igualdade, sem a qual Democracia e República são sonhos impossíveis.

No essencial livro A Sociedade Desigual: Racismo e Branquitude na Formação do Brasil (Editora Zahar, 2022), o economista Mário Theodoro explica: “O racismo opera no seio das instituições de segurança pública e judiciárias em suas diversas fases e ações, o que faz com que a violência e a falta de justiça assumam um papel central no funcionamento da sociedade desigual (…). A polícia que vai à favela é também uma polícia política, um braço do Estado que está ali unicamente para a tarefa de repressão, mas uma repressão que é fundamentalmente política e cuja violência é muitas vezes letal e não aceita divergências”.

Tanta desdita explica-se em parte pelo que fizemos e, principalmente, deixamos de fazer nos anos 1980. Ao contrário de Argentina, Chile e Uruguai, o quase-país Brasil passou pano para torturadores, grileiros matadores de indígenas e entreguistas lesa-pátria que vicejaram na ditadura militar. Nunca chegamos a lavar a roupa suja que precisava ser lavada para romper com o passado, e por isso seguimos assombrados pelos fantasmas do general Frota, da bomba do Riocentro, da brutalidade policial, do genocídio indígena e quilombola, do assassinato de lideranças ambientais e políticas, da devastação de biomas tão preciosos quanto a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado – e tantas outras desgraças promovidas, ressuscitadas e atualizadas pela ultradireita que está no poder e não vai querer largá-lo de jeito maneira.

Vai ser um ano difícil. Suspeito que, para sobrevivermos a ele, precisaremos ampliar a perspectiva para entender que o nosso inferno é feito em casa, mas atende a interesses externos, tão poderosos quanto invisíveis a olho nu. Chama atenção que a geopolítica de nossa desgraça quase nunca seja assunto entre nós. Quantas potências globais atuam no Brasil, desde antes de 2013, para nos levar a tal anomia? Quantos agentes secretos atuam aqui, talvez até mesmo como candidatos? A quem não interessa que o Brasil se torne independente e potente? A quem interessa que o nosso povo continue privado dos bens materiais e imateriais que permitem fazer o futuro?

Se dermos conta dessas respostas, ou sobrevivermos a tanta ignorância, talvez tenhamos a chance de reconstruir o País a partir de 2023. Mas então será preciso ir muito além do que jamais foi feito antes. Vai ser preciso realmente reinventar o Brasil. Sim, é preciso voltar a investir nas pessoas, sobretudo nas crianças, com doses generosas de saúde, educação, cultura, ciência e esporte. Mas também é preciso cessar a guerra aos pretos, pardos e indígenas e fazer da preservação, recuperação e pesquisa dos biomas o nosso mais importante passaporte para o futuro.

Se o medo está no ar, a esperança também está. Em noite recente, as luzes do prédio da Fiesp mostravam uma mulher jogando capoeira com cabeça, mão e pé. Precisaremos de muita ginga e esquivas para assentar com firmeza o nosso Axé. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1198 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Um quase-país”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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