Josué Medeiros

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Josué Medeiros é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

A popularidade de Lula e a importância das pesquisas qualitativas

A estratégia baseada na memória positiva dos seus governos, funcionou muito bem na eleição e no começo do seu mandato. Passado o impacto do 8 de Janeiro, contudo, a oposição bolsonarista começou a se reestruturar

(Foto: Lula)
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O principal assunto da política brasileira em 2024 tem sido a queda na avaliação positiva de Lula e de seu governo, conforme apontam diversas pesquisas. A popularidade já mostrava sinais de declínio no final de 2023, mas esperava-se uma recuperação, impulsionada por indicadores econômicos favoráveis como o crescimento do PIB, a criação de empregos, o aumento da renda e o controle da inflação.

Como explicar, então, que o presidente tenha perdido popularidade se a economia do país passa por um momento virtuoso? 

Processos tão complexos não possuem uma única explicação. O Brasil é uma sociedade plural, diversa em todos os sentidos e, ao mesmo tempo, extremamente desigual e que mantém segmentos enormes da sua população vivendo com múltiplas vulnerabilidades sociais, econômicas e ambientais. 

Dito isso, uma possível explicação é que a melhora da economia brasileira se deu principalmente no primeiro semestre, com o segundo marcado por uma estagnação. Isso pode ser um problema dos indicadores econômicos anuais, que não capturam as nuances de cada período específico. Enquanto isso, as pesquisas de opinião captam justamente a fotografia do momento, daí a discrepância.

Essa hipótese é válida, mas trata-se de uma inferência interpretativa, as pesquisas quantitativas de opinião, mesmo quando indagam sobre temas específicos como a economia, não fornecem um panorama detalhado das percepções populares. Devido à sua metodologia, os entrevistados se deparam apenas com opções pré-definidas.

Para irmos além da fotografia do momento, é fundamental investir em pesquisas qualitativas. Grupos focais, entrevistas em profundidade e etnografias com setores específicos nos ajudam muito a completar o quadro analítico sobre qualquer processo político e social complexo, como é o caso das avaliações de governos em países como o Brasil. 

O mesmo vale para as redes sociais. O investimento no monitoramento das redes (que nos fornece as métricas mais gerais do comportamento dos usuários das principais redes sociais do Brasil) precisa caminhar junto da pesquisa qualitativa – com as mesmas metodologias de grupos focais, entrevistas em profundidade e etnografias – sobre o conteúdo e os sentimentos das pessoas. 

No segundo semestre de 2023, compartilhei a coordenação de cerca de 40 grupos focais em todo o Brasil, incluindo tanto segmentos específicos quanto uma amostra mais ampla do eleitorado. Foi possível perceber que havia um sentimento de melhora sobre a vida cotidiana, fruto do impulso econômico do primeiro semestre. Mas era nítido também, em todos os grupos, que essa sensação não estava consolidada. Permanecia no ar um sentimento de desconfiança com relação à durabilidade dessa melhora. 

Os eleitores de Bolsonaro mais radicais, ainda na defensiva por conta do 8 de Janeiro e as investigações contra ele, ainda criticavam o governo Lula, mas sem a virulência dos anos anteriores. Já os eleitores moderados reconheciam a melhora de vida, mas punham em xeque sua sustentabilidade. Os eleitores moderados de Lula – sobretudo as mulheres – compartilhavam dessa desconfiança. Ao investigar mais a fundo as razões, percebeu-se que a questão central era mais a lembrança e o temor de um retrocesso econômico desde 2015 do que uma aversão política direta ao presidente. Neste contexto, reapareceu com força uma rejeição generalizada ao sistema político como um todo, embora Bolsonaro agora também seja parte desta vala comum. 

A estratégia política de Lula em 2022, baseada na memória positiva dos seus governos, funcionou muito bem na eleição e no começo do seu mandato. Passado o impacto da tentativa de golpe, contudo, a oposição bolsonarista começou a se reestruturar, algo que foi claramente observado em pesquisas qualitativas. A estratégia central foi reavivar as memórias negativas associadas ao lulismo, manifestando-se em duas vertentes principais: o antipetismo fervoroso, que provavelmente se manterá entre cerca de um terço do eleitorado, e o impacto sobre um grupo de eleitores que, mesmo tendo votado em Lula em 2022, muitos já no primeiro turno, o fez mais por rejeição a Bolsonaro do que por apoio genuíno ao presidente

Esse tipo de resistência difusa é difícil de mapear e interpretar. Se ela aparece em um conjunto maior de grupos focais, é possível entendê-la. O problema da esquerda em geral e do governo Lula em particular é que, salvo exceções locais, não há mobilização coordenada para contrapor essa resistência. Em parte, porque sequer fomos capazes de diagnosticá-la a tempo; em outra parte, pela crença equivocada de que um bom governo, por si só, resultará em maior popularidade.

Enfim, é preciso que a esquerda se mobilize para a disputa dos sentimentos e preferências das pessoas. E é preciso investir em pesquisas qualitativas, para saber em que pé estão esses sentimentos e percepções.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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