3ª Turma

A politização do Judiciário e as (contra)indicações ao STF

Os recentes heróis brasileiros, a despeito dos valores e garantias fundamentais, podem vir a ocupar o cargo de ministro da Suprema Corte

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Segundo a entrevista do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, concedida ao Estadão no último dia 25 de março, o governo do presidente Bolsonaro é “um deserto de ideias”. Apesar dos embates políticos, muitas coisas ainda encontram-se no que poderia ser chamado de “um limbo de ideias”. Uma delas nos preocupa (e muito): o Supremo Tribunal Federal. Contudo, não pela perspectiva da atuação de cada ministro ou das falas emblemáticas, mas sim, por aqueles os quais sentarão nas cadeiras do Plenário.

Atualmente já existem algumas especulações em torno dos possíveis nomeados para a Corte, no entanto, nada certo. É importante dizer que o ministro Celso de Mello, esse ano, completará 74 anos (um ano a menos do que a idade definida como marco temporal para a aposentadoria compulsória, conforme previsão da Constituição Federal). O ministro Marco Aurélio Mello, não distante, completará 73 anos.

Cumpre informar ao leitor que apoiadores do governo estão se movimentando para a reversão do instituto, modificado pela Emenda Constitucional 88/2015, para os originais 70 anos. A Deputada Bia Kicis (PSL-DF) já trabalha na coleta de assinaturas para a propositura da PEC. Com isso, o presidente ganharia mais duas indicações, haja vista o ministro Ricardo Lewandoski e a ministra Rosa Weber já estarem com 70 anos. Após tal feito, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, saiu em defesa do atual sistema, afirmando que tal retorno seria inconstitucional e, sendo assim:

“Se você admitir que pode abaixar de 75 anos para 70, tenho de admitir que pode baixar de 75 anos para 40 anos. Aí (o governante) indica os 11 ministros.”

Não que mais duas indicações para o Supremo mostrem-se ruins, contudo, tal fato não poderia gerar forte interferência do Poder Executivo no Poder Judiciário? Isso poderia ser observado como uma violação ao sistema de participação de poderes previsto na Constituição? Admitimos que não sabemos, já que não é possível a previsão do curso de acontecimentos futuros.

No entanto, é importante lembrar, também, a fala do atual Presidente no período eleitoral, quando deixou claro a sua vontade de ampliar o número de Ministros do STF para 21 sob argumento de que “governar com esse Supremo que está aí está complicado”.

Não satisfeito, o atual Chefe do Executivo ainda cogitou um “acordo” para colocar no Tribunal “dez do nível do Sérgio Moro”, com o fim de, nas palavras dele, “termos maioria lá”(um pequeno adendo: no período da ditadura civil-militar, o número de Ministros foi ampliado para 16 e, nem por isso, o regime ganhou mais espaço).

Além disso, acrescenta-se que o atual Deputado Federal Eduardo Bolsonaro já havia afirmado que para fechar o Supremo bastaria “um soldado e um cabo” . Tais falas fizeram com que nos questionasse-mos em relação à relevância da Suprema Corte no atual governo. Mas a conclusão a que chegamos encontra-se no início do texto: um limbo.

A partir disso, sublinha-se que a história vem tomando forma por meio da figura de heróis, de modo a se tornar costumeiro o fato de agentes públicos se aproveitarem da visibilidade e consequente aumento da popularidade, seja por meio da divulgação de grampos obtidos de forma ilegal, seja por meio de prisões inconstitucionais, para aparecerem como salvadores da pátria, ainda que tais medidas se mostrem contrárias ao ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse contexto, é importante lembrarmos que o oportunismo sempre esteve presente no Brasil, especialmente em momentos de grande comoção social, geralmente acompanhados da apresentação de projetos de lei que surgem como a resposta ideal ao tema que assola a sociedade no momento específico. Aliado a isso, postagens em redes sociais, que vão do cotidiano corriqueiro até as opiniões políticas dessas autoridades públicas, que deveriam pautar-se pela imparcialidade, ganham espaço, contrariando frontalmente o sistema constitucional brasileiro.

Por fim, frisa-se a grande influência militar no atual governo, a qual, sob argumento de aumentar a moralidade na Administração Pública, traz à sua prática o rompimento com a consensualidade e com a própria democracia.

(Entrevista em que Bolsonaro sugere aumentar para 21 o número de ministros do Supremo, a partir do minuto 02:40)

Diante do exposto, tem-se que a população brasileira encontra-se mais atenta ao que vem acontecendo nas esferas de governo. Hoje é mais fácil lembrar os nomes dos onze Ministros do Supremo do que o nome dos onze jogadores da seleção brasileira de futebol, o que é algo muito positivo, pela ótica da participação política da população. Contudo, até que ponto o povo será protagonista em uma nova convocação não de um mas, de possivelmente, dois nomes para a Corte?

Fato é, que os recentes heróis brasileiros, a despeito dos valores e garantias fundamentais, podem vir a ocupar o cargo de Ministro da Suprema Corte nacional. Nesse contexto, questiona-se: onde ficará a neutralidade no julgamento de matérias tão importantes, como as que são levadas ao STF, observando que o Tribunal cuida de conflitos de cunho constitucional com grande repercussão geral, englobando, muitas vezes, questões de grande repercussão política? O que se esperar da jurisdição dos direitos fundamentais no âmbito da Corte constitucional de membros que muitas vezes não estão alinhados com a universalidade de tais direitos? Haverá a jurisdição para os cidadãos que não são identificados como “de bem”?

Diante dos questionamentos anteriores, buscamos referência justamente no entendimento de um dos integrantes da Corte, o Ministro Alexandre de Moraes, o qual defende que “o STF não pode servir de aposentadoria de luxo para políticos não eleitos ou que abandonaram a vida pública ou, ainda, de prêmio pessoal para demonstrações de fidelidade partidária”.

Além disso, argumenta, que todas as formas de investiduras para o cargo no STF estarão “impregnadas do caráter de politização na escolha para a Corte” se não houver a exigência, como requisito para a nomeação, de uma boa formação jurídica, o que seria necessário em virtude da competência do órgão.

Portanto, à luz de tais colocações, questiona-se quais os critérios que poderão ser utilizados pelo Presidente responsável por resgatar, pela primeira vez, desde o regime civil-militar, saudações ao período de grande autoritarismo na história brasileira. Sendo assim, considerando todos os nossos avanços e conquistas no Estado democrático de Direito, tem-se que o cenário que se desenha não é um dos mais vantajosos, pois como se sabe, a afetação da autonomia do STF não é meio de progresso, uma vez que a eficácia da Constituição e, consequentemente, dos direitos fundamentais, perpassam pela Suprema Corte.

Soma-se a tal fato, a problemática de premiação à fidelidade política (ou jurídica), uma vez que o exercício da jurisdição constitucional carece de independência e autonomia funcional. Por fim, afirmamos que tal temática ainda não vem sendo discutida a plenos pulmões, no entanto, quando começar poderá ser tarde demais.

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