Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

A opção pelo caos

Os guerreiros da pátria, da família e da fé têm convicção e têm balas. Esta é a força de Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro (PL). Foto: Mauro Pimentel/AFP
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Bolsonaro não vai respeitar o rito eleitoral. É fato. Qualquer observador minimamente atento às jogadas bolsonaristas sabe disso. Certeza. É cenário garantido, irrefutável: não teremos um processo eleitoral normalizado. Haverá violência. Já há violência. Física, simbólica, retórica. Violência. Se Lula ganhar as eleições, a faixa presidencial não será entregue pacificamente. Alguém duvida? Alguém consegue fazer um malabarismo imaginativo, um duplo carpado na abstração utópica para projetar Bolsonaro, sorriso aberto, na rampa do Planalto, a receber Lula como seu sucessor? Não há ginástica cerebral que dê conta dessa imagem. Não vai acontecer.

Na verdade, o caos sempre esteve posto. Bolsonaro sempre foi sincero no seu autoritarismo, sempre foi honesto no seu fascismo, na sua capacidade de odiar o outro. Seu total desprezo às instituições sempre foi gritado, exposto, ostentado. É só pegar um vídeo aleatório de seus primeiros anos na política. A monstruosidade estava lá, sempre esteve lá. “Mas ele vai se domesticar quando chegar ao Planalto”, “mas o Paulo Guedes”, “mas ele vai entender que para governar tem que mudar”, “mas melhor isso do que o PT”, “mas ele não faz por mal, é só o jeito dele de falar, meio tosco, tipo militar”… Baboseira.  A monstruosidade sempre esteve lá. Nunca se escondeu. Só que muitos preferiram não enxergar a monstruosidade ou fingiram que não enxergavam, pois muitos convivem perfeitamente com os monstros, desde que outros sejam as vítimas.

Bolsonaro sabe que, se perder este pleito, ele e a família podem terminar muito mal. É preciso negociar uma ­maneira de sair do Planalto e não acabar na cadeia. E para isso é preciso o caos. Negociar com o caos. Negociar com a violência. Só que, para ter poder de negociação, vários elementos são necessários. O primeiro deles é a capacidade mobilizadora. Ele deve ser capaz de ameaçar e cumprir suas ameaças. Bolsonaro precisa de militância e de soldados. E tem, nossa se tem. Bolsonaro tem votos e tem milícias, tem simpatizantes e tem combatentes. Tem gente que irá às ruas semear o caos, enobrecidos com seu papel na história, guiados por Deus para salvar o Brasil. E tem gente que observará, complacente, os acontecimentos na televisão. Mas Bolsonaro também precisa de uma fábula. Bem, é só escutar seu discurso no Maracanãzinho para entender, rapidamente, a sua estratégia discursiva: “Sobrevivemos a um atentado. Deus me salvou”.

O enviado por Deus. Nunca antes cobrou tanta relevância o Messias.  Deus o colocou no poder, só Deus pode tirar. Só Deus tem essa legitimidade. O que podem fazer os homens diante da vontade divina? O que podem fazer os homens diante do Messias? Se o Messias for retirado do poder, o Brasil vira o inferno. Literalmente. Não se trata de metáforas. E, claro, os guerreiros da pátria, da família e da fé não fazem a guerra só com os punhos. Sim, tem gente que sairá às ­ruas com bandeira e Bíblia nas mãos, mas quero lembrar que, entre 2018 e 2021, aumentou em 320% o número de novas armas registradas nos estados mais bolsonaristas. Os guerreiros da pátria, da família e da fé têm convicção e têm balas. Esta é a força de Bolsonaro. Muita.

E, diante disso, nós fazemos o quê? Continuamos a acreditar na solidez das instituições? Continuamos simplesmente a divulgar abaixo-assinados? Continuamos a fingir que vamos ter eleições normais? Não iremos.

A única saída é encurralar totalmente Bolsonaro. Devemos proteger as eleições, a Justiça Eleitoral, o processo, as urnas. Devemos proteger o País da violência em curso, que continuará a acontecer. E devemos, não tenho a menor dúvida, nos posicionar do lado de quem pode confrontar o monstro. Devemos escolher, devemos optar, sem hesitação nenhuma. É Lula. Mas, para Lula receber a faixa presidencial pacificamente, todos nós, os democratas, devemos ter lado e agir desse lado. Desta vez, não pode haver falsas polarizações, falsos extremos. Por isso, eu fico apavorada quando vejo ainda tanta gente pretensamente defensora da democracia, pretensamente enjoada de Bolsonaro, mas que continua fielmente enganchada no seu antipetismo. “Lula não dá.” Amigos, só Lula dá. Em 2018, o antipetismo nos conduziu à ignomínia nacional. Em 2022, nos conduzirá de novo?

Aos pretensos democratas, por favor, não nos joguem no abismo outra vez. Vocês também irão junto. Só Lula 2022 é possível. Vocês, que fingem não saber, também o sabem. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1219 DE CARTACAPITAL, EM 3 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A opção pelo caos”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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