Carlos Bocuhy

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Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, o Proam.

Opinião

A norma de controle da poluição do ar asfixia os brasileiros

Para diminuir a morbidade e melhorar a qualidade de vida dos brasileiros é preciso tirar o governo e indústrias do marasmo

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Estamos iniciando o período crítico de poluição do ar no Brasil, concentrado no outono e inverno, quando geralmente os dias são mais secos. Segundo a OMS, no Brasil morrem mais de 51 mil pessoas por ano em função dos males provocados pela poluição atmosférica. A maioria das mortes ocorre nesse período. A situação é grave.

O Brasil está extremamente atrasado no controle da qualidade do ar e na adoção de tecnologias mais modernas nas principais fontes poluidoras, ou seja, a frota antiga de caminhões, ônibus e motos que circulam pelas cidades. O Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve) caminha devagar e de forma estagnada. Os mecanismos de controle de frota, como a inspeção veicular, mesmo estabelecida em lei desde 1977, desapareceu nas grandes metrópoles sem qualquer justificativa técnica e não tem prazo para voltar.

No país como um todo, dada a contaminação em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro e os altos índices de mortalidade atribuídos às doenças cardiorrespiratórias, há necessidade de implementar novas medidas, principalmente a inspeção das emissões ambientais para veículos movidos a diesel, responsáveis pela maior parcela da contaminação.

Apesar dessa difícil situação, há atualmente no Brasil uma zona de conforto que abriga poluidores e agentes responsáveis pela qualidade do ar. Convivem, por um lado, as grandes montadoras de veículos, que não querem investir em melhorias tecnológicas, e de outro, o governo, que prefere não pressionar o setor produtivo, nem exigir a manutenção veicular obrigatória.

A este estado de leniência se somam erros crassos sobre as especificações técnicas adotadas no Brasil, como por exemplo a durabilidade de catalisadores para motocicletas. A norma brasileira, copiada da europeia, adotou para esses equipamentos das motos uma durabilidade extremamente curta, de apenas 18 mil quilômetros. Ora, as motos na Europa rodam pouco devido ao clima, enquanto no Brasil um motofretista chega a rodar mais de 45 mil km/ano.

Após alguns poucos meses, as motocicletas gastam seus catalisadores e lançam na atmosfera saturada toda a carga poluidora do motor, sem nenhum controle. É preciso lembrar que, com relação a alguns poluentes, as motos emitem o equivalente a cinco automóveis. Neste processo de irresponsabilidade para com a saúde pública, estamos perdendo em atualização tecnológica para países como Colômbia, Chile e México.

A poluição no Brasil ocorre até mesmo quando um veículo enche um tanque de combustível

No último mês de maio, depois de oito anos em vigor, finalmente o Conselho de Meio Ambiente (Consema) de SP aprovou a alteração da Meta Intermediária 1 (MI1) para a Meta Intermediária 2 (MI2) de poluição do ar, conforme proposta da Cetesb. Os novos valores que entrarão em vigor em 2022 ainda são o dobro do limite considerado suportável pela OMS para alguns poluentes, como o material particulado MP10 e MP2,5, produtos da queima incompleta em motores à diesel. Não há prazo previsto para migrar para a meta MI3. Nesta zona de conforto, o controle da poluição atmosférica acabou atrelado ao bel prazer da indústria automotiva, sem obrigatoriedade de investir em tecnologia mais limpa.

Segundo o International Council on Clean Transportation (ICCT), de Washington, não há motivos econômicos nem técnicos para o Brasil postergar a produção dos ônibus e caminhões com tecnologia de motores Euro 6, a mais moderna. Estudo da ICCT mostra que o custo adicional da tecnologia Euro 6, que consiste no DPF (filtro de partículas) mais alguns outros ajustes no motor, é de apenas US$ 2.000 para ônibus, menos de 2% do preço do veículos e muito pouco diante das vidas perdidas com a poluição atmosférica.

A cada ano de atraso são lançados nas ruas milhares de caminhões que continuarão a poluir por algumas décadas, com a chamada fumaça preta. Para cortar esse ciclo vicioso, a Alemanha, por exemplo, além de atualizar a tecnologia para Euro 6, adotou programas de adaptação de filtros de material particulado, com o programa “nenhum diesel sem filtro”. Um programa para adaptação de filtros em 2.000 ônibus urbanos diminuiu em mais de 90% a poluição desses veículos em Santiago do Chile.

A poluição no Brasil ocorre até mesmo quando um veículo enche um tanque de combustível, ao lançar na atmosférica os chamados Compostos Orgânicos Voláteis (VOCs). São componentes que reagem na luz solar e formam o ozônio troposférico, danoso à saúde. Com um simples e barato artefato (ORVR – On Board Refueling Vapor Recovery System), esses gases seriam absorvidos e queimados no momento da partida. Carros europeus e americanos equipados de fábrica com estes dispositivos não emitem esses poluentes — e ainda economizam combustível.

Mas a situação no país não se restringe ao atraso tecnológico. O país também não mede a poluição do ar, essencial para adoção de medidas de controle. Os governos, que têm atribuição legal de controlar a poluição, não o fazem de modo espontâneo; são instados, muitas vezes, pelo Ministério Público. Como consequência da falta de priorização, a maioria das grandes cidades brasileiras, mesmo depois de 31 anos da publicação da primeira resolução do Conama que estabeleceu, por meio da resolução 03/1990, os padrões de qualidade do ar (PQAr), ou não tem monitoramento contínuo ou tem sistemas precários, carentes de estrutura física e de capacitação profissional.

A diferença entre o número de estações de monitoramento existentes no Brasil em comparação com países como Estados Unidos e Inglaterra é abissal. Sem conhecer a real situação da qualidade do ar, não há esperança de implementação de melhorias.

Os períodos de episódios críticos de poluição do ar, como os de atenção, alerta e emergência, recebem tratamento completamente diferenciado, dependendo do cuidado que diferentes países dão à proteção da saúde. Como exemplo, podemos afirmar que São Paulo é completamente diferente de Paris nos graus de classificação de episódios críticos e na tomada ações corretivas. Em episódios críticos Paris paralisa a circulação de veículos e o metrô é franqueado à população. Nada disso acontece aqui, mas há um componente ainda pior: o nível de poluição para disparar as ações de proteção à população é o dobro do limite parisiense, como se pulmões franceses e brasileiros fossem diferentes. Não são, o que é diferente é o tratamento dado à saúde pública!

Para diminuir a morbidade e melhorar a qualidade de vida dos brasileiros é preciso tirar o governo e indústrias do marasmo. É preciso adotar prazos para atingir saudáveis padrões de qualidade do ar no Brasil – e adotar planos e políticas públicas para seu atingimento. Os padrões representam o norte da bússola, mas há de se adotar, de forma clara, a rota e o destino, já traçado em nossa Carta Magna: o meio ambiente equilibrado e a saudável qualidade de vida.

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