Drauzio Varella

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Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

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A mortalidade pós-Covid

Nos pacientes que se recuperaram do quadro inicial, os óbitos foram decorrentes do estresse fisiológico e biológico causado pela doença

A mortalidade pós-Covid
A mortalidade pós-Covid
(Foto; Wanezza Soares) Drauzio: “Se temos drogas de alta potência contra o HIV, por que não podemos desenvolver para a Covid-19?”
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Tem gente que se recupera da fase aguda da Covid em duas ou três semanas. Outros carregam sequelas que duram meses. Trombose, embolia pulmonar, insuficiência respiratória e a piora da função cardiovascular podem aumentar a morbidade e o risco de óbito precoce, mesmo em quem conseguiu se recuperar de sua fase aguda.

Um estudo publicado este ano na revista Nature mostrou que a infecção pelo SARS-CoV-2 está associada ao aumento da mortalidade nos seis meses seguintes. Outro demonstrou que pacientes com as formas graves na fase aguda da Covid – definida como aquelas que exigiram hospitalização – correm risco maior de novas internações do que aqueles que não precisaram ser hospitalizados nos primeiros dias da doença.

Pesquisadores da Universidade da Flórida acompanharam todos os adultos que testaram positivo para o ­SARS-CoV-2, no período de 1º de janeiro a 30 de junho de 2020, nos ambulatórios, unidades de pronto-atendimento e hospitais ligados à Universidade, com o objetivo de avaliar o impacto da infecção na mortalidade tardia.

Os que faleceram nos primeiros 30 dias, depois de apresentarem o primeiro ­PCR-positivo, foram excluídos do estudo porque o óbito foi atribuído à fase aguda. Nos demais, o acompanhamento durou 365 dias, contados a partir do primeiro teste PCR-positivo. Um grupo de pacientes com teste PCR-negativo serviu de controle.

No total, ficaram 13.638 participantes, distribuídos em três grupos: 1) 178 (1,3%) que apresentaram Covid grave, na fase aguda. 2) 246 (1,8%) que tiveram Covid de gravidade leve ou moderada. 3) 13.214 (96,9%) controles sem infecção pelo Coronavírus.

Os resultados mostraram que a mortalidade nos 12 meses seguintes à infecção inicial foi mais alta no grupo que desenvolveu a forma grave da Covid na fase aguda. Nos que desenvolveram doença leve ou moderada nessa fase, o acompanhamento por 12 meses não revelou diferenças na mortalidade em comparação com o grupo controle.

Pacientes com 65 ou mais anos de idade, e doença inicial grave, correram mais risco de morrer nos 12 meses seguintes do que os do grupo controle e os do grupo de doença leve ou moderada. Entre estes e os controles, a mortalidade no período foi igual.

Naqueles com menos de 65 anos, o histórico de doença grave na fase aguda aumentou 62% o risco de morte, em relação aos dois outros grupos. De um modo geral, podemos dizer que pacientes com menos de 65 anos que tiveram Covid grave apresentam mortalidade mais elevada do que os mais velhos – com 65 anos ou mais.

Ter apresentado Covid grave na fase aguda aumenta 4,5 vezes a probabilidade de morte tardia por doenças pulmonares e 3,1 vezes por complicações cardiovasculares. Apesar do risco mais alto, apenas 20,5% dos óbitos tardios aconteceram por complicações cardiorrespiratórias. Os demais morreram por outras causas.

O fato de cerca de 80% dos pacientes terem ido a óbito por complicações que não envolveram a função cardíaca ou pulmonar mostra que as mortes não ocorreram por ação direta do vírus nos que se recuperaram do quadro inicial da doença, mas em decorrência do insulto biológico e do estresse fisiológico causados pelo vírus.

Esses resultados estão de acordo com trabalhos anteriores realizados com números menores de participantes: de fato, há risco mais alto de sequelas nos que apresentaram formas da doença que envolveram internação hospitalar. Nesses casos, o risco de morte por Covid não fica limitado à fase aguda.

Embora, nessa fase aguda, os que estão acima de 65 anos tenham probabilidade maior de apresentar complicações graves, com hospitalização e risco mais alto de óbito, a mortalidade tardia dos que têm menos de 65 anos é até mais alta, nos 12 meses que se seguem. Na verdade, 233% mais alta do que no grupo controle.

Esses números reforçam a importância da vacinação. Embora as vacinas não evitem a possibilidade de adquirir o Coronavírus, todos os estudos realizados até agora demonstram que elas nos protegem contra as apresentações graves da doença, na fase aguda.

Se as formas leves ou moderadas não aumentam o risco de morte nos 12 meses seguintes, fica evidente o impacto da imunização na redução da mortalidade precoce ou tardia.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1187 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE DEZEMBRO DE 2021.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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