Josué Medeiros

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Josué Medeiros é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

A mobilização nas ruas não muda a situação de Bolsonaro

O ex-capitão conseguiu levar às ruas um público fiel, mas em um número é muito inferior ao necessário para tirá-lo da defensiva política

Créditos: NELSON ALMEIDA / AFP
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Como esperávamos, Jair Bolsonaro realizou um ato em sua defesa na Avenida Paulista no domingo, dia 25 de fevereiro. A manifestação contou com a presença de 185 mil pessoas, segundo uma estimativa da USP. As imagens da multidão defendendo um projeto golpista assustam, mas o ex-presidente demonstrou mais fraqueza do que força nesse domingo. 

Bolsonaro é a principal liderança de um movimento autoritário que utiliza a tática da mobilização social para manter coesa sua base e para fustigar os adversários – sejam políticos ou mesmo as instituições – e, com isso, avançar em seus objetivos. No caso, o ex-presidente tinha duas metas: a primeira era reafirmar sua posição de principal liderança da direita brasileira, algo que ele alcançou, dado o tamanho da manifestação. O segundo objetivo era mais ousado: demonstrar força política para barrar as muitas investigações contra ele, que já o deixaram inelegível e podem levá-lo à prisão. Aqui, podemos afirmar que ele falhou. 

O ex-capitão mobilizou muito menos gente do que quando estava na presidência. No 7 de Setembro de 2021, o então presidente convocou manifestações de enfrentamento aberto ao STF. Os atos ocorreram em cerca de 200 cidades do país e ele próprio esteve presente em Brasília e São Paulo, acompanhado por mais de 100 mil pessoas em cada uma delas. Em 2022, ele, já candidato à reeleição, transformou o desfile oficial em ato de campanha e convocou seus apoiadores para outra jornada de mobilização. Novamente, um número próximo de 200 municípios tiveram manifestações naquele feriado. E, outra vez, Bolsonaro se fez presente em duas delas, em Brasília e no Rio de Janeiro e em ambas o público passou de 100 mil pessoas. 

Em 2024, fora do poder e acuado política e juridicamente, Bolsonaro optou por concentrar todo seu poder de fogo em uma só cidade, São Paulo. Conseguiu êxito em levar um público fiel, que sustenta sua liderança, mas é um número muito inferior ao que ele já foi capaz de mobilizar e que é necessário para tirá-lo da defensiva política. 

O discurso de Bolsonaro no ato também atesta sua fraqueza atual. Já era esperado que ele se colocaria como vítima de uma perseguição e o ponto alto dessa estratégia foi o choro da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Mas outros dois eixos que apareceram no discurso do ex-presidente são fundamentais para analisarmos seu futuro político. 

O primeiro é seu pedido de anistia para os golpistas do 8 de Janeiro que já estão presos, o que obviamente alcança aqueles que serão no futuro, como ele mesmo. A bandeira da anistia o conecta com a estratégia de acomodação que o regime militar de 1964 colocou em prática com muito sucesso no final dos anos 1970 e que foi combatida por militares de extrema-direita, como o próprio Bolsonaro. Contudo, diferente dos generais da Ditadura Militar, o ex-capitão perdeu o timing desse movimento: esse tipo de acordo, para dar certo, precisa ser proposto quando os perdedores ainda estão no poder e têm, portanto, cartas para colocar na mesa durante a passagem de bastão.

Já Bolsonaro usou seus últimos meses na presidência para tramar uma tentativa de golpe, que foi posta em prática em 08 de janeiro e que foi derrotada. Com isso, ele não tem nada para oferecer no momento em troca da anistia. Talvez se tivesse mobilizado mais gente, poderia colocar na mesa o tamanho do bolsonarismo enquanto movimento político, para além da popularidade que o ex-presidente ainda conserva. Mas com esse número que, embora grande, é menor do que ele próprio já mobilizou em anos anteriores, Bolsonaro seguirá acuado rumo à condenação por liderar a tentativa de golpe. 

O segundo eixo foi sua tentativa de se defender das acusações de golpe, na qual ele admite que teve contato com a minuta do decreto golpista. Bolsonaro, uma vez mais, levanta a tese de que a convocação das forças armadas para garantir a ordem estaria dentro das regras constitucionais, alegando que golpe só ocorre com tanques nas ruas. Tal argumento, entretanto, complica mais o ex-presidente, uma vez que ele passou seus quatro anos de governo ameaçando a sociedade e as instituições brasileiras com uma convocação desse tipo, que viria acompanhada de um Estado de Sítio, proibição da livre-manifestação, fechamento do Congresso, intervenção no STF, entre outras medidas autoritárias. 

Com este pronunciamento, Bolsonaro ofereceu mais uma evidência (para uma já farta lista) de que, desde que venceu as eleições em 2018, ele e seu entorno planejaram uma tentativa de subverter a ordem da Constituição para instalar, em seu lugar, um novo arranjo político e institucional autoritário. O plano A passava por vencer as eleições em 2022. O plano B, da tentativa de golpe, seria acionado em caso de derrota. Nas duas situações, Bolsonaro convocaria não só as Forças Armadas, mas também seus apoiadores civis armados nos clubes de tiro para garantir a mudança de regime. 

Nos próximos meses, veremos as investigações sobre as ações antidemocráticas ligadas ao bolsonarismo avançarem ao mesmo tempo em que as estratégias para as eleições municipais de 2024 são traçadas. Isto não é uma boa notícia para o ex-presidente: ainda que sua liderança junto ao eleitorado de direita seja incontestável, Bolsonaro se vê isolado na arena partidária. A ida às urnas eletrônicas que ele tanto detesta serão um novo teste de sua força política: Bolsonaro precisa consolidar candidaturas competitivas nas capitais se quiser chegar vivo politicamente – ainda que preso – nas eleições presidenciais de 2026.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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