Justiça

A luta pelo direito e a ética de Ogum

Orixá guerreiro ensina a sermos estratégicas, escolhendo as ferramentas que sabemos manejar para vencermos a guerra.

Morte de George Floyd motiva protestos nos Estados Unidos. Foto: CHANDAN KHANNA/AFP
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A luta é uma condição indeclinável do direito, já dizia o alemão Ihering. Nesse contexto, o direito consiste em uma luta sem tréguas da qual participam o Poder Público e toda a população. O direito de uma sociedade é, portanto, a expressão dos variados conflitos sociais e resulta de uma luta de pessoas e grupos pelos seus próprios direitos subjetivos. Por isso, o Direito é uma força viva e dinâmica, e não uma ideia estática.

Mas o que eu quero hoje destacar é que não precisamos ler A luta pelo direito, de Ihering, para entendermos que não há justiça sem luta. Em uma perspectiva fundada na orixalidade, podemos buscar em Ogum esse princípio combativo e dinâmico do direito, entendido aqui para além das perspectivas eurocêntricas.

Ogum é orixá antigo, que nasceu antes da própria chuva. É aquele que abre caminhos, que desenvolve ferramentas e tecnologias. Ogum é orixá do ferro, da caça, da agricultura, da tecnologia, das estradas, do progresso. O espírito desse guerreiro é de expansão e conquista, tal qual o de um imperador.

Nos dias de hoje, é importante resgatar esse caráter guerreiro de Ogum para dizer que não houve uma aceitação pacifica da condição de escravizado pelo povo negro. Pelo contrário, as insurgências já aconteciam dentro dos navios negreiros. Essa ética nagô estava à frente do quilombo dos Palmares, do quilombo do Catucá, da Revolta dos Malês, da Revolta dos Búzios e de tantas outras insurreições do nosso povo.

Foi essa ética que conduziu/conduz o nosso povo na luta diária pela liberdade. A nossa história nesse país sempre foi uma história de luta e resistência. E Ogum nos ensina que lutar é diferente de brigar, pois quem luta tem estratégia e objetivos definidos, como bem nos lembra pai Rodney William.

Traduzindo essa máxima para o contexto atual, a ética nagô nos ensina que precisamos avançar, progredir e expandir os nossos conhecimentos sobre as armas que estão disponíveis para as lutas dos nossos dias.

Em uma sociedade da comunicação, precisamos ter estratégias sólidas para as disputas de sentido, sobretudo no âmbito do direito. Como juristas que somos, precisamos fazer mais que discursar. Honrando a nossa ancestralidade, precisamos usar as ferramentas que conhecemos. Ogum diz: “não levante uma espada que não consegue carregar”. Com isso, meu pai nos ensina a sermos estratégicas, escolhendo as ferramentas que sabemos manejar para vencermos a guerra.

Esperança Garcia e Luiz Gama usaram as armas que tinham: palavra, papel e caneta, tornando-se pioneiros da litigância estratégica por liberdade, dignidade e melhores condições de vida para a população negra. Abdias do Nascimento, por sua vez, indicou as vias institucionais como um caminho possível para o nosso projeto político de emancipação.

E, por mais desastres que tenhamos vivenciado nos últimos meses, não podemos negar que temos saído vitoriosas de algumas batalhas institucionais. Hoje temos uma comissão de juristas negras e negros debatendo o aperfeiçoamento da legislação de combate ao racismo institucional na câmara dos deputados. Compomos grupos de trabalho instituídos por diversos órgãos com a finalidade de implementar políticas de equidade. Estamos nas tribunas, nos plenários, nos púlpitos, honrando a ética nagô com o nosso axé de fala e lutando pela liberdade, pela justiça e pela paz.

Por isso hoje, dia 23 de abril, data em que escrevo esse texto, trago a ética de Ogum para dizer que também devemos aprender a celebrar. Com seu vigor e alegria, Ogum nos convida a dançar pela justiça feita com a condenação do policial Derek Chauvin, culpado pela morte de George Floyd; bem como pela proposta do primeiro estatuto municipal de equidade racial de Pernambuco, elaborada pelo vereador Vinicius Castello; e por tantas outras pequenas grandes vitórias diárias do nosso povo.

Ogunhê, meu pai.
Salve Jorge.

Asè

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