Ana Graça Correia Wittkowski

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Nascida e criada em Salvador da Bahia. Quinta de oito crianças, formada em Letras Vernáculas pela UFBa. Pós-Graduada em Literatura Contemporânea pela UEFS-Bahia. Formada em Etinologia e Lusitanística pela Johannes-Gutenberg-Universität-Mainz. Fundadora da ONG-BrasilNilê. Embaixadora da Década Internacional dos Afrodescentes na Alemanha.

Opinião

A luta das mulheres estrangeiras na Alemanha por condições de trabalho e reconhecimento

A vida na Alemanha é muito diferente para as mulheres da Somália, Iémen, Líbia e tantas outras que, por conta da origem, não têm suas qualificações reconhecidas.

Na foto, nossa caminhada nas ruas de Mainz a convite do sindicato ver.di. No colete amarelo está escrito: 'Mais segurança necessita de mais profissionais'
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A primeira vez que ouvi falar sobre o Dia Internacional das Mulheres foi no primeiro dia de aula do meu curso de magistério no ICEIA (Instituto Central de Educação Isaia Alves), na Bahia. Até então não sabia que, para estas mulheres que lutam, havia um dia internacional onde elas recebem flores por lutarem todos os dias. Até então só sabia que era óbvio que sem lutas de mulheres não havia o que comer nem onde dormir. Entre as muitas mulheres que encercaram minha infância não conheci nenhuma que não trabalhasse. Na minha rua todas tinham alguma forma de ocupação. O que não tinham era direito a férias e aposentadorias.

Essa foto acima, por mim fotografada, tem exatamente três semanas e revivo a energia boa de ter ido às ruas no dia 08 de março.

Revivo as lutas das soteropolitanas por direitos e por sobrevivência, mulheres que viviam e vivem em mundos precarizados, com trabalhos como a lavagem de roupas, venda de acarajé, costuras como minha mãe e minha tia ou, como muitas fora desses trabalhos exercitando ainda o ofício de benzedeiras.

Todas elas que sempre trabalharam e foram mal pagas pensavam que feminismo era coisa de mulher branca. Feminismo era coisa de novela das oito, modelos absolutamente inalcançáveis para nós, mulheres e crianças negras dos bairros empobrecidos de Salvador. Hoje revejo trajetórias e infelizmente constato que ainda há muito caminho pela frente, ainda há grande carência de se repensar os papéis dos sexos nos espaços de poder, também aqui na Alemanha.

Neste terceiro ano de pandemia ter o direito de sair às ruas já foi uma grande conquista porque nós podemos desfrutar da democracia de poder ocupar espaços públicos sem que soframos violência policial ou algum tipo de rechaça por parte de nossos empregadores.

Essa foi a primeira vez que, desde que moro na cidade de Mainz, que o sindicato percebeu, de fato, a importância de reivindicar melhoria de trabalho no dia internacional da mulher porque, apesar das muitas conquistas que temos tido nas últimas décadas, ainda recebemos salários menores que os homens e, tragicomicamente, os poucos homens que exercem as profissões onde a maioria são mulheres, facilmente chegam à cargos de poder, muito rapidamente viram chefes das mulheres.

Para mim é muito irritante perceber a disposição que, também aqui, muitas mulheres têm em aceitar serem “dirigidas” por homens; justificando e fortalecendo práticas patriarcais. Sofrendo, mas achando que o mundo sempre foi assim.

Mas, ainda assim, devemos questionar se a reivindicações por melhores condições de trabalho contemplam todas as mulheres.

A minha ascendência não me trouxe vantagens aqui na Europa, muito pelo contrário. Sou uma educadora negra.

A minha área de trabalho na Alemanha, como em muitos outros lugares do mundo, é exercida por pessoas do sexo feminino, sendo uma das profissões que mais são mal remuneradas.

Na minha profissão, particularmente trabalho com crianças do mundo, são nada menos que vinte e sete nações presentes no meu dia a dia, um trabalho prazeroso que me deixa saber todos os dias que vale a pena. Todavia, a remuneração deixa insegura – as estatísticas já mostraram que a tendência é ter em alguns anos uma população feminina que na velhice não terá condições de garantir o próprio sustento, apesar de terem trabalhado na média 35 a 40 anos.

Assim como a maioria das minhas colegues, tenho que me preocupar com o que receberei na aposentadoria, porque além disso não tive o direito de exercer minha profissão com o grau acadêmico quando cheguei aqui, bem como não tive o direito de ascender socialmente por conta das minhas origens. É muito difícil para mulheres migrantes conseguirem que suas qualificações sejam reconhecidas na Alemanha, mesmo tendo proficiência no idioma. Pra mim, é muito mais uma questão de seleção para garantir que não conquistemos o mercado de trabalho e tenhamos as mesmas condições sociais no futuro.

Há muita falta de solidariedade. Contudo, recentemente o governo anunciou que vai buscar medidas para validar as qualificações de pessoas que estão chegando da Ucrânia, o que não acontece com outros imigrantes.

A vida é muito diferente para as mulheres da Somália, Iémen, Afeganistão, Iraque, Nigéria, Líbia, e tantas outras mulheres migrantizadas que aqui vivem não puderam, como eu, ir às ruas para clamarem por seus direitos, justo elas que exercem trabalhos mal remunerados, nos asilos de pessoas idosas, nas casas limpando o chão, nos escritórios quando as mulheres que fazem carreiras vão pra casa, nas limpeza das universidades à noite, quando estão vazias.

Estas mulheres e crianças de cor não europeia, mulheres do mundo, que não tiveram tanto acolhimento como as novas refugiadas da guerra atual, ficaram esquecidas, também neste último dia internacional de lutas pelos direitos das mulheres.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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