A teoria de freios e contrapesos, um dos pilares da democracia contemporânea, foi desenvolvida por Montesquieu no século XVIII. Naquele contexto, o filósofo francês pensava em maneiras de combater os monarcas absolutos da França, que tinham seus poderes justificados pela ideia do direito divino dos reis.
Para Montesquieu, com o equilíbrio entre três poderes – aquele que julga, aquele que legisla e aquele que executa –, com mecanismos de controle mútuo, seria possível evitar a tirania dos déspotas. É no Espírito das Leis, seu livro mais conhecido, que está a famosa máxima “só o poder freia o poder”.
Recorro a Montesquieu, um pensador que viveu há mais de duzentos anos e está longe de ser um “comunista” – a maneira como os bolsonaristas se referem a qualquer um que critica o governo – para dar a dimensão do absurdo que acomete o Brasil dos nossos dias.
Reportagens mostram que a suposta “maior operação contra a corrupção do País” esteve repleta de absurdos jurídicos e de relações promíscuas entre o juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, e os procuradores, um verdadeiro jogo de cartas marcadas. O rei e o ex-juiz estão nus. O próprio presidente da República posta um vídeo em que um pastor o reconhece como escolhido por Deus (coisa que no século XVIII os iluministas franceses já sabiam ser ridícula); o bispo Macedo afirma que Jesus irá remover os que forem contra Bolsonaro; círculos radicais do bolsonarismo demonizam a política, pedem o fechamento do congresso e do STF nas redes sociais.
Não para por aí. O líder do governo na Câmara vocifera impropérios contra estudantes e professores, o ministro da Educação divulga publicamente o número do celular de uma parlamentar da oposição, o chanceler viajava para encontrar líderes de extrema direita pelo mundo e vocifera sandices sobre a supremacia do ocidente cristão, um youtuber que o presidente indica como referência diz que a oposição está fazendo “magia negra” para destruir Bolsonaro.
Enquanto os ensandecidos vociferam, o governo articula a venda do patrimônio nacional, a Amazônia arde em queimadas, a área da cultura é solenemente desprezada, a militância armamentista faz a apologia da morte como se estivesse defendendo a vida, a insegurança sobre o futuro do Enem exaspera os estudantes brasileiros, o dólar dispara e o desemprego cresce.
Nós da oposição no Legislativo, estamos trabalhando em várias frentes, buscando frear os desvarios despóticos do Executivo e cumprir nossa função constitucional no debate parlamentar, na articulação com os movimentos sociais, no enfrentamento consistente aos despautérios governistas. Eventuais diferenças não impedem que busquemos convergências neste momento de crise: a afirmação intransigente da democracia e do caráter laico do Estado, a agenda ambiental, a visão estratégica da cultura, a defesa das populações fragilizadas e dos direitos dos trabalhadores.
Só assim, na luta cotidiana contra a barbárie e a tirania, poderemos combater a marcha dos insensatos e defender a soberania do Brasil, a democracia, a pluralidade, a educação, a cultura, a saúde e os demais direitos fundamentais da nossa gente. É a tarefa que está colocada.
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