Opinião

A luta contra o despotismo se faz ainda mais urgente

Chegamos a um nível de perversidade em que a tragédia engolfou toda comédia

Foto: MARIO TAMA / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP
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“Tente viver com a parte de sua alma que compreende a eternidade, que não tem medo da morte. E esta parte é amor.”
Leon Tolstoi.

O desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips na Amazônia, no Vale do Javari, traz à luz um dos lados mais sombrios do drama que vivemos no Brasil, desde o golpe de estado de 2016.

São os cidadãos e cidadãs que pagam pela violência do capital financeiro internacional e nacional contra as instituições, atingindo, em última instância, os mais vulneráveis: os defensores de direitos humanos, jornalistas (os de verdade, porque muitos não o são) e servidores públicos.

Não resta dúvida de que o golpe de Estado foi perpetrado para a acaparar as riquezas nacionais, principalmente o petróleo.

Verificar isso é fácil, até mediante a clássica pergunta dos investigadores de todos os tempos: a quem interessava o crime? Quem se beneficiaria dele?

Basta sair na rua ou em estrada: os postos da Petrobras definham, os da transnacional Shell, dentre outros, ampliam-se a olhos vistos. Aquela empresa é anglo-holandesa. Por coincidência, o Reino Unido integra esquema multilateral de espionagem, composto também por Estados Unidos da América e Austrália, entre outros.

Como resultado, o Brasil, seus povos e riquezas estão totalmente nas mãos das gangues internacionais, sem qualquer proteção por parte daqueles que constitucionalmente deveriam fazê-lo, mas que foram cooptados pelos estrangeiros, por trinta moedas, como Judas o fora.

O nível de degradação das forças vendidas é tal que recentemente se soube que o general que promoveu o golpe de Estado usou helicóptero do Exército para que lhe chegasse às mãos a revista Playboy

Chegamos a um nível de perversidade em que a tragédia engolfou toda comédia.

Por isso, a luta contra o despotismo se faz ainda mais urgente e organizá-la, uma prioridade, literalmente vital.

Como fazê-lo?

Tomas Borge, comandante guerrilheiro e ex-ministro do interior da Nicarágua aponta um Norte, em “A paciente impaciência” (editorial Vanguardia): “A unidade é mais importante que a geografia e que os cartuchos de dinamite; a unidade é mais importante que a hierarquia e que a vida.”

De forma mais ampla, Tomas cita Carlos Fonseca, o fundador da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN): “Ao amigo, há que fazê-lo companheiro; ao companheiro, convertê-lo em militante; ao militante, em quadro e a este, em nosso irmão…o êxito depende da aliança de operários, camponeses e estudantes. Se lhes dizem que as coisas estão bem, é sinal de que algo anda mal; se lhes informam o positivo e o negativo, então vão bem…não ser como nós; principalmente, não cair nos erros que cometemos ou que possamos cometer no futuro…Matam-nos um a um e não temos sabido dar as respostas corretas, estamos na defensiva; faz-se necessário redobrar os esforços e arrebatar a iniciativa ao inimigo.”

Para isso, devemos estar internamente sadios, tanto em âmbito pessoal quanto das massas. Um luta em que não podemos contar com quem está (ou deveria estar) ao nosso lado – e esse/essa somos nós mesmos em primeiro lugar- é batalha perdida, de início.

Analisando retrospectivamente os golpes de 45, 54, 64 e 2016 isso fica muito claro.

A grande maioria dos atores no palco, que poderia agir, não reage, seja por não vislumbrar as possibilidades de resistência que se apresentavam, seja pela reduzida capacidade de julgamento político com que conta, fruto de formação inacabada.

Nesse sentido, socorrem-nos também Tomas Borge e Carlos Fonseca, ao qual Borge mais uma vez recorre nas reflexões que faz naquela obra: “Para Carlos, teoria e prática caminham de mãos dadas. Uma revolução sem teoria é retardada e retorcida, mas a teoria revolucionária é insuficiente se não está acompanhada de uma prática, que ele instava que fosse concreta, combativa e criadora.”

Borge especifica os termos práticos da luta: “…organização de sindicatos e conjuntos musicais; grupos, alianças e comitês internacionais de ajuda…”. No caso da Nicarágua, agrega: “Era preciso usar todos os meios, inclusive os escassos resquícios legais que permitia a ditadura, para vincular as classes e os setores revolucionários.”

O autor também recorda como Fonseca restaurou e deu vida ao axioma de Sandino: “Somente os operários e os camponeses irão até o fim.”

Na obra, Tomas Borge compila os vários comunicados, por meio dos quais a FSLN buscava conscientizar a população sobre o contexto político do país. Em um deles, lê-se, com grande proveito para a triste atualidade de muitos países latino-americanos, o maior deles (em extensão e população), em primeiro lugar: “A luta…responde a uma necessidade histórica…em um país dependente do imperialismo norte-americano, centro hegemônico que dirige e desfruta – junto com a oligarquia libero-conservadora – o saqueio e a exploração de que é vítima nosso país. O instrumento de domínio imperialista é o governo libero-conservador, que controla o aparato estatal por meio do qual desatou violência e terror contra diferentes setores populares, especialmente os camponeses da montanha.”

A semelhança da opressão sobre os camponeses dos montes e florestas na América Central guarda, evidentemente, profunda relação com a violência que se instaurou na Amazônia, sob os desgovernos do golpista (que se espera seja julgado e preso como foi a homóloga boliviana, sentenciada a dez anos de cárcere) e do genocida miliciano.

Borge cita ainda Ricardo Morales, que reflete sobre mais um arquétipo da tragédia latino-americana: “É inexplicável que alguns não tenham conseguido entender, neste país, que a linha divisória entre os explorados e os exploradores são os fuzis da Guarda Nacional, cujas miras se dirigem aos explorados.”

A única vantagem de sermos os latino-americanos conjuntamente oprimidos pelos impérios e oligarquias locais é que se a receita é única de um lado, também as formas de reação servem a um e ao outro.

 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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