Opinião

A importância dos símbolos e da cultura

Sonhemos juntos, os do Norte, os do Sul, do Leste e do Oeste, dialogando, trocando e nos enriquecendo mutuamente

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Leonardo Boff e Frei Beto recordam que a etimologia da palavra “símbolo”, em grego, remete à unidade, à coerência, à verdade.
Por isso, é antônimo de “diabólico”, cuja etimologia grega remete à divisão, à incoerência, ao engano.
Na oitava da Páscoa (a semana que sucede ao Domingo da Ressureição) difícil seria não mencionar o Cristo. Para os cristãos e cristãs, ele é o filho de Deus, terceira pessoa da Trindade, junto com o Pai e o Espírito Santo.
Para as duas outras religiões abraâmicas, o islamismo e o judaísmo, o Cristo foi um profeta, para muitos, revolucionário.
Interessante notar que um dos três templos mais importantes para o islamismo, a Mesquita do Domo da Rocha (Al-Aqsa), na Colina Sagrada de Jerusalém, tem no lado voltado para o Jardim das Oliveiras a mensagem iconográfica mais clara que aquela religião – que não representa pictoricamente imagens – poderia fazer sobre o Cristo: a pintura do pão, do cálice e das uvas. Evidente homenagem ao Cristo, na mesquita onde se encontra a pedra da qual o Profeta Mohamed ascendeu aos céus. De fato, a arte forma pontes entre o céu e a terra, até quando pintada sobre paredes.
À propósito, no momento em que outras prisões são discutidas, cabe uma reflexão: quando um regime precisa prender seu principal oponente, em que ponto se encontra? De ascensão ou queda? Símbolo de força ou de fragilidade?
A História, compreensivelmente tão vilipendiada pela extrema-direita brasileira, ensina que a medida extrema do encarceramento é sinal da maior fragilidade; assim foi para o império romano e para a religiosidade opressora.
Sempre em tema de História, acabo de ler The Shortest History of Germany. Uma curiosidade: comprei na Foyles, em Londres, a maior livraria do mundo, que adotou uma fórmula muito original para sua função de livraria física. De fato, atualmente, muitos dos lançamentos contam com resenhas dos próprios funcionários da livraria. Uma boa mostra de que ao menos no espaço da livraria os trabalhadores e trabalhadoras são valorizados em seus saberes, dialogando com o interesse dos potenciais compradores. Mercado livre de fato: de amarras, de preconceitos, de obtusidades. Puro Paulo Freire. Pura troca. Pura vida.

Capa de “The Shortest History of Germany” (Foto: Reprodução)

O autor da referida história alemã é James Hawes, que a conta de forma sucinta e agradável, desde o surgimento dos primeiros agrupamentos humanos antes de Cristo, os quais seriam posteriormente incorporados pelo império romano, até os dias atuais.
Alguns pontos dessa longa, rica e turbulenta história chamam a atenção: em primeiro lugar, como ao longo de mais de vinte séculos a atual Alemanha se manteve, basicamente, entre os eixos do Reno, a oeste; do Danúbio, ao Sul; e do Oder, a leste; tendo o Elba, a nordeste.
O autor constrói seu raciocínio sobre a geopolítica, que, sendo uma dimensão mais próxima do determinismo, pode levar a equívocos, como considerar em segundo plano a importância da cultura para a interpretação histórica.
Por outro lado, não desconsidera essa mesma dimensão cultural: em primeiro lugar, ao identificar a importância da dialética para a cultura alemã, sistematizada na filosofia de Hegel (1770-1831) e posteriormente retomada como método de análise e ação política, pelo cidadão de Trier, Karl Marx, tio-tataravô do nosso maior paisagista, Burle Marx.
Transpondo a questão filosófica para o Brasil, vemos que Paulo Freire conseguiu aplicar a metodologia daquele raciocínio dialético ao seu próprio método, contextualizando-o ao ensino e o transformando à luz do pacifismo do século XX, de sorte que o contraditório não levasse mais ao conflito, mas ao diálogo, horizontal, igualitário, trocador e “paridor” de novas realidades.
Outro ponto ponto de interpretação histórica-cultural interessante é a constante dominação da Prússia sobre a vida política alemã, principalmente ao longo dos séculos  XVIII, XIX e XX, até a derrota, na Segunda Guerra Mundial.

Para o autor, a própria reunificação alemã mascarou a hegemonia da Prússia sobre um processo que seria mais de incorporação do que de unificação. Para isso, a Prússia lançou mão da dominação militar e dos altos estamentos do estado – cuja vocação de dominação Max Weber, o pai da sociologia, tão bem descreveria – num processo assustadoramente similar àquele do golpe de 2016, no Brasil.
A partir de então, a nação alemã passará a financiar esses estamentos parasitários com volumes de recursos cada vez maiores, enquanto a vontade popular era por eles manipulada, com os resultados desastrosos por demais conhecidos. A atual exclusão da participação popular no Brasil e na União Europeia são processos arquetipicamente similares, sintomas de ideologias excludentes, lá e aqui. O Brexit não veio do nada, pois nada vem do nada, como teriam dito Shakespeare e Freud.
Por último, mas não menos simbólico para o Brasil atual, o autor observa que os mapas da votação de 1933 demostram que os segmentos que efetivamente elegeram Adolf Hitler foram majoritariamente as populações protestantes, da classe média baixa, do meio rural, em um país, então, ainda com forte enraizamento no campo.
Se esses sonhos maus foram sonhados, busquemos sonhar os bons, que não requerem interpretação, como bem diz meu sábio analista. Sonhemos juntos, os do Norte, os do Sul, do Leste e do Oeste, dialogando, trocando e nos enriquecendo mutuamente.
Não deve ser outra a função das relações internacionais, da política externa e da diplomacia. A nós, a construção.

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