Carmela Zigoni

Assessora Política do Inesc

Opinião

A importância do crescimento da presença de indígenas nas eleições

Das 173 candidaturas indígenas, 98 estão concentradas em partidos de esquerda

Indígenas acampados em Brasília protestam contra a demarcação de terras. Foto: CARL DE SOUZA / AFP
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Ao que parece, o planeta não quis ouvir o recado que a natureza enviou por meio da Covid-19. O “novo normal” é uma versão piorada da sociedade pré-pandemia, com mais desigualdades sociais, precarização do trabalho, desmonte de políticas sociais, destruição ambiental acelerada e expansão de ideologias baseadas em todos os tipos de discriminação. Soma-se a este cenário os ataques à democracia. Por outro lado, emergem reações a este presente triste e injusto, que pautam equidade, justiça, poder compartilhado e preservação da natureza, visando garantir um futuro viável.

Dos movimentos sociais locais, e em decorrência dos impactos reais infringidos aos territórios indígenas, surgem candidaturas às Eleições 2022 no Brasil que se colocam como alternativa ao modelo de desenvolvimento predatório e miliciano no qual nos afundamos nos últimos anos. No Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em abril, indígenas de centenas de etnias se reuniram em Brasília para dialogar sobre diversas agendas, entre elas a necessidade de ocupar a política institucional – “aldear a política” e constituir “bancadas do cocar” –, com o objetivo de frear a barbárie nos seus territórios, operada pela mineração ilegal, a pressão do agronegócio e do crime organizado, assassinatos de lideranças indígenas e indigenistas, sem que o Governo Federal tome para si sua função de proteção destes povos e seus direitos.

Em um universo de 27.951 candidaturas registradas aptas, são 172 pessoas que se autodeclaram indígenas, em todas as unidades federativas, incluindo o DF, 42 a mais que em 2018, um aumento de 32%. Se considerarmos a proporção de indígenas no total, saiu de 0,47% para 0,62%. Chama atenção a maior equidade de gênero nas candidaturas indígenas, com 82 mulheres (47,67%) e 90 homens (52,32%), se comparado aos números gerais, onde somente 33,5% são mulheres. Essas estatísticas foram obtidas a partir dos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em um estudo realizado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), em parceria com o coletivo Common Data.

Se eleitas, as pessoas indígenas estarão mais representadas nos espaços de poder de decisão, alterando positivamente o retrato da nossa política. As candidaturas indígenas, ao menos as alinhadas ao centro e à esquerda, com pautas mais progressistas e atentas à agenda socioambiental, se convertem, ainda, em esperança de um futuro melhor.

Desigualdades na disputa

Das 173 candidaturas indígenas, 98 estão concentradas em partidos de esquerda (56,97%), com destaque para o PSOL (24) e o PT (22). Os partidos de centro lançaram 19 candidaturas (11,04%). No espectro da direita, foram 55 candidaturas indígenas (31,97%), com destaque para o PL, com 11 pessoas.

O aumento da presença de indígenas disputando eleições, no entanto, não vem acompanhado de ampliação de equidade na disputa eleitoral. Na proporção entre candidatos(as) titulares, suplentes e vices, 6 mulheres indígenas estão alistadas como suplentes (7,41% do total de mulheres indígenas), um percentual muito maior do que encontrado entre mulheres ou entre mulheres negras. A média, geral de suplentes em relação a raça/cor é de 2,45%, um número três vezes menor do que o observado para mulheres indígenas. Essa discrepância evidencia que os partidos, qualquer que seja seu espectro ideológico, relegam as mulheres indígenas à espaços subalternizados. Além disso, entre as três mulheres inaptas pela idade a exercer o cargo pleiteado nessas eleições, uma delas é a indígena Pamela Kathellen Silva Mentes, que concorre à Deputada Estadual pelo PMN de Pernambuco, restando somente 2 candidatas indígenas no estado, Luciene India (PL) e Neidinha Welber (PSDB).

Com relação aos cargos, ressalta-se que as candidaturas indígenas se concentram fortemente na disputa pelos cargos de deputado(a) estadual (59,88%) e federal (31,97%). O número de candidaturas indígenas ainda é irrisório para cargos de maior capital político e que exigem mais recursos financeiros em campanhas, como são os casos de presidente (nenhuma candidatura indígena); vice-presidente (01 candidatura); senador/a (02 candidaturas); governador/a (02 candidaturas) e vice-governador/a (04 candidaturas). 03 indígenas, todas mulheres, concorrem ao cargo de 1º ou 2º suplente.

A maior parte das candidaturas indígenas se declara como professor ou professora, são 20 pessoas o equivalente a 12% do total de pleiteantes indígenas. Seguem-se servidores/as públicos/as (11); agricultores/as (11); artistas/artesãos (08). Há também 08 empresários/as, que juntos somam R$ 2.375.409,80 em patrimônio, porém, somente 2 deles acumulam 80% desse valor: João Aguiar (PSB-SP) – que se registrou como branco nas últimas eleições –, declarou patrimônio de R$1.022.909,80 em “Depósitos”; e Maria Bonita (PSC-AM), com R$1.200.000, 70,8% em Bens Imóveis.

Note-se que 07 vereadores/as pleiteiam cargos de deputados/as e 02 deputados, Joenia Wapichana (Rede) e Paulo Guedes (PT) – que na eleição anterior se declarou como pardo – disputam uma cadeira na Câmara Federal. Wellington Dias (PT) – que também se declarou pardo nas últimas eleições –, e Barto Macuxi (PSOL) são candidatos ao Senado Federal.

Para além da representatividade

A representatividade importa, mas importam também as agendas que essas candidaturas irão pautar nas casas legislativas ou nos executivos. Como vimos, centro e esquerda somam 117 candidaturas e a direita conta com 55, o que significa que também haverá indígenas com pautas neoliberais e conservadoras na corrida eleitoral.

Em termos geográficos, as candidaturas estão mais concentradas na região Norte (41,86%), com destaque para Roraima, com 27 candidaturas, e Amazonas, com 18 – mas é preciso ter atenção às propostas dos(as) candidatos(as), pois são 35 candidaturas de esquerda e 26 de direita, sinalizando para intensa disputa em torno do futuro da Amazônia. Centro-oeste e Sul concentram mais candidaturas indígenas de direita do que de esquerda, regiões onde o agronegócio associado ao modelo de desmatamento, agrotóxicos e genocídio indígena é bem marcado.

Vale lembrar que o Censo de 2010 revelou que dos 896.917 indígenas que vivem no Brasil 342.836 estão na região Norte (38,22%); 232.739 (25,94%) no Nordeste; 143.432 no Centro-Oeste (15,99%); 99.137 no Sudeste (11,05%) e 78.773 no Sul (8,78%), o que demonstra como a população indígena residente sobretudo no Nordeste e no Centro-Oeste ainda segue sub-representada em termos de candidaturas às Eleições 2022 .

Se, por um lado, cresce a presença de indígenas na disputa por cargos eletivos, com maior participação de mulheres indígenas, por outro, resta a saber se o racismo institucional que prevalece no Brasil impossibilitará que essa diversidade se efetive nas urnas. Além disso, é preciso estarmos atentos à estratégia da direita de legitimar pautas que avancem sobre os territórios indígenas, que trazem impactos socioambientais que colocam em risco não somente a existência destes povos, mas também a de todos nós. Esperançar é o verbo: que tenhamos uma legislatura mais representativa do nosso povo, e com mais política voltada para a promoção de direitos socioambientais.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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