Hamilton Harley

Pedagogo, é Mestre e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo com experiência na área de Sociologia da Educação e ênfase na educação em territórios vulneráveis. Atualmente é Coordenador da área de Educação em Direitos Humanos do Instituto Vladimir Herzog.

Taize Grotto de Oliveira

Professora, Mestre em Língua Portuguesa e Responsável pelo Eixo de Educação em Direitos Humanos, Convivência e Mediação de Conflitos da Coordenadoria dos CEUs - COCEU/SME (Secretaria Municipal de Educação).

Opinião

A importância da educação em Direitos Humanos no trabalho das Comissões de Mediação de Conflitos

Com a ampliação do retorno das atividades presenciais nas escolas, é evidente a potência do trabalho das comissões frente às relações do cotidiano escolar.

Créditos: Foto: Sumaia Vilela / Agência Brasil Créditos: Foto: Sumaia Vilela / Agência Brasil
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No dia 11 de março a pandemia de Covid-19 completou 2 anos e, desde o seu início, vimos o aumento dos índices de desigualdade em todo o mundo, com maior impacto em países mais pobres. Segundo o relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), “Panorama Social da América Latina”, quase 5 milhões de pessoas entraram na linha da extrema pobreza entre 2020 e 2021. 

O cenário pandêmico intensificou as disparidades econômicas, sociais e políticas da sociedade e teve reflexos sobre as unidades educacionais. A pandemia evidenciou a desigualdade de oportunidades entre escolas privadas e públicas, sobretudo as periféricas, aprofundando a assimetria existente antes da crise sanitária. 

O impacto da adoção de aulas à distância – com falta de recursos tecnológicos, acesso à internet ou infraestrutura domiciliar dos alunos de escolas públicas frente aos estudantes do ensino privado – deve aumentar a desigualdade no contexto pedagógico-educacional no médio prazo, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 

O fechamento de escolas durante a pandemia gerou não apenas a perda de conteúdos escolares, mas reduziu o acesso à uma fonte regular de alimentação, aumentou os riscos de abusos e afetou a saúde mental das crianças e adolescentes, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).  

É nesse contexto que se iniciou o ano letivo de 2022, com a volta às aulas regulares na modalidade presencial por grande parte das redes públicas de educação após meses de atividades online, híbridas ou no sistema de rodízio. A decisão foi impulsionada pelo avanço dos índices de vacinação, incluindo crianças e adolescentes, e pela queda dos números de internações e óbitos. 

Na rede municipal de Educação de São Paulo, mais de 1,08 milhão de estudantes voltaram ao “chão da escola” após as férias escolares – embora muitas unidades da capital não tenham efetivamente fechado durante os meses de restrição de circulação, funcionando como o único aparelho público de determinadas regiões da cidade. 

A ampliação das atividades presenciais nas escolas, sob os protocolos de segurança do “novo normal”, retoma a importante função de construção coletiva dos conteúdos curriculares, num momento em que já vivemos o aumento do déficit de aprendizagem. 

A Unicef aponta que em vários estados brasileiros, 3 em cada 4 crianças da 2ª série estão fora dos padrões de leitura.

Antes da pandemia, o índice era de 1 em cada 2 crianças. O mesmo estudo indicou que 1 em cada 10 crianças de 10 a 15 anos não pretende retomar os estudos, escancarando o enfraquecimento dos vínculos com a escola. 

Além da retomada dos conteúdos pedagógicos, o retorno presencial significa a volta ao convívio diário entre estudantes, docentes e funcionários no ambiente escolar e a possibilidade de recuperar aprendizagens e vivências interrompidas pelo isolamento e impactando nas relações dos sujeitos da escola. 

É nesse panorama de resgate da escola como espaço de aprendizagem, cuidado, afeto e convivência, que se torna necessária a adoção de políticas públicas, programas e projetos pedagógicos que enfrentem os prejuízos já existentes – e os que ainda estão por vir – em função da pandemia de Covid-19. 

Uma das formas adotadas pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo é o fortalecimento das Comissões de Mediação de Conflitos cuja atuação se faz ainda mais necessária. Criadas pela Lei nº 16.134, em março de 2015, as Comissões têm como objetivo compreender e atuar nas situações de conflitos e violências que prejudicam o processo educativo, abrindo espaço de conversa, favorecendo a consolidação de vínculos e promovendo a reflexão sobre a realidade e as relações da comunidade escolar. 

Rogério Sottilli, diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, palestra no 1º Grande Encontro das Comissões de Mediação de Conflitos.

A atuação da CMC, sob a ótica da Educação em Direitos Humanos, tem o potencial de promover a convivência democrática entre todos os atores da comissão – profissionais da educação, educandas e educandos e demais membros da comunidade escolar – e também de outros sujeitos da comunidade escolar, colaborando para a construção de um cenário de respeito mútuo e da cultura de paz. 

É a partir dessa perspectiva que se desenvolve a “Formação para subsidiar e fortalecer as ações de Mediação de Conflitos nas atribuições das Comissões de Mediação de Conflitos”, um espaço para refletir sobre as práticas escolares, com o objetivo de incidir na cultura escolar, fortalecendo a autonomia de cada uma dessas partes e abrindo espaço para a escuta, o diálogo, a cultura do respeito, a valorização da diversidade étnico-racial, de gênero, cultural e o pluralismo de crenças e ideias. 

Conduzida pela equipe pedagógica do Respeitar é Preciso!, projeto liderado pelo Instituto Vladimir Herzog, a formação é fruto da colaboração entre o IVH e a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Desde 2016 o Respeitar é Preciso! realiza ações na rede municipal de São Paulo, somando mais de 1500 horas de formações, aulas e encontros. 

Nessa retomada do convívio escolar, a formação promove o debate sobre as complexidades que já existiam na escola e as que a pandemia agravou, colaborando com a reflexão por parte dos integrantes das CMCs de seu papel político de protagonismo no enfrentamento desses problemas e na construção de projetos e Planos de Ação para atuar nas unidades escolares. 

As reflexões são um caminho para garantir a cultura de paz nas Unidades Educacionais e seus territórios. Entendemos que o conflito faz parte das relações do cotidiano e que, a partir dele, é possível construir uma nova cultura de diálogo, onde se privilegia a autonomia e o respeito mútuo nas relações, ainda que num contexto como o de pandemia.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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