

Opinião
A imparcialidade de Moraes
O fato de ter sido um dos alvos da conspiração golpista não deve ensejar o afastamento do ministro do Supremo. Não se pode permitir que criminosos manipulem a jurisdição por seus próprios atos


Na condição de relator dos inquéritos e das ações penais relativas aos delitos de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, vem sofrendo críticas quanto ao suposto comprometimento da sua imparcialidade, devido ao fato de ele ter sido apontado como um dos alvos da trama golpista. Referidas críticas são, porém, totalmente descabidas.
Conforme constatou a Polícia Federal, os atos visando o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do STF foram capitaneados por agentes estatais, civis e militares, da mais elevada envergadura na República, isso tudo dentro de uma intrincada trama golpista. Ademais, antes e depois desse grave evento, ocorreram diversos outros igualmente atentatórios às instituições democráticas.
Rememoremos que o ex-presidente da República Jair Bolsonaro proliferou desinformações quanto ao processo eleitoral e às urnas eletrônicas, suscitando, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, o inquérito penal das fake news. Além disso, o ex-presidente jamais reconheceu a vitória do presidente Lula nas eleições de 2022 e estimulou atos antidemocráticos em frente aos quartéis.
Também não podemos esquecer da ruidosa atuação da Polícia Rodoviária Federal, com o intuito de impedir o exercício do direito ao voto, dos atos de terrorismo no Aeroporto Internacional de Brasília em dezembro de 2022 e do fatídico dia 8 de janeiro de 2023, ocasião em que símbolos dos poderes constituídos da República brasileira foram, sem precedentes na nossa história, desafiados.
As provas são claras, consistentes e revelam a gravidade dos crimes cometidos contra a nossa democracia. Esses atos atingiram o coração do Estado Democrático de Direito. Não estamos falando apenas de discursos golpistas, mas de ações concretas, como planos de sequestro e assassinato de autoridades, que colocaram em risco a própria democracia.
O farto e irrefutável acervo probatório colhido pela Polícia Federal, isso através de uma investigação que deve, seguramente, figurar como uma das mais relevantes para a história da instituição, nos levam à irremediável conclusão de que houve, sim, crimes contra a instituições democráticas. Nunca tivemos no Brasil uma investigação dessa magnitude, que indiciou generais e altos oficiais das Forças Armadas por crimes tão graves. Isso é histórico e precisa ser reconhecido.
O fato de ter sido um dos alvos dessa intrincada trama golpista não deve, em hipótese alguma, ensejar o afastamento do ministro Alexandre de Moraes. Não estamos diante de uma vítima individualmente considerada. O alvo foi a instituição. O ataque não foi à pessoa, mas à figura institucional que, inclusive, presidia, na ocasião, o Tribunal Superior Eleitoral.
Infelizmente, não são incomuns, no Brasil, ameaças a magistrados. Levantamento do Conselho Nacional de Justiça já identificou que, no Brasil, mais de cem juízes estão sob proteção. Em situações como essas, aos mesmos se concede segurança especial, mas jamais o afastamento dos processos ensejadores das ameaças. O afastamento do magistrado em situações como essas representaria um verdadeiro prêmio para investigados e réus. É por essa razão que o nosso Código de Processo Penal possui uma regra segundo a qual não deve ser reconhecida a suspeição quando a parte lhe der causa.
A gradual fragilização dos espaços e dos sentidos da democracia e da relação de pertencimento à sociedade ocorreu através de artifícios enfraquecedores do pacto civilizatório e das instituições democráticas. Entretanto, para além de mera estratégia política de reprodução e dissipação, o bolsonarismo foi mais distante. Atos de violência visaram, juntamente com o mero inconformismo em relação ao processo eleitoral que elegeu o presidente Lula, implementar um golpe de Estado e abolir o Estado Democrático de Direito.
Permitir que narrativas falsas prejudiquem a Justiça seria um retrocesso grave. Não estamos diante de meros atos preparatórios. A execução foi iniciada, mas interrompida por razões alheias à vontade dos envolvidos. No caso de golpe de Estado, o crime já se inicia pelo planejamento. Ademais, não são plausíveis os argumentos deduzidos no sentido da quebra da imparcialidade por parte de Moraes.
Aos golpistas não se pode atribuir a capacidade de manipular a jurisdição, bem como de afastar o juiz natural por atos próprios. Considerando a gravidade dos crimes cometidos contra a democracia brasileira, a questão precisa ser tratada com a seriedade exigida. Inexistem concessões possíveis. •
Publicado na edição n° 1341 de CartaCapital, em 18 de dezembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A imparcialidade de Moraes’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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