Opinião

A guerra mais letal para jornalistas e o silêncio das potências

O Estado de Israel precisa ser isolado como foi a África do Sul, e o Brasil, com sua diversidade única, tem o dever de liderar uma resposta multilateral e solidária

A guerra mais letal para jornalistas e o silêncio das potências
A guerra mais letal para jornalistas e o silêncio das potências
Mohammed Qreiqeh, jornalista da Al Jazeera assassinado por Israel em Gaza. Foto: AFP
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“Nunca se esqueça que os menos fascistas são sempre fascistas.”
Roque Dalton

O brilhante poeta e guerrilheiro salvadorenho não poderia estar mais certo. O que vemos hoje nos Estados Unidos da América e na Europa Ocidental é fascismo — e não há outro nome que caiba.

O assassinato do jornalista da Al Jazeera, Anas al-Sharif, ontem, em Gaza, pelos fascistas israelenses, deve ser debitado na conta dos verdadeiros responsáveis pelo massacre: os governos de direita e extrema-direita dos EUA e da Europa. Somente no dia de ontem, sete jornalistas foram mortos. Desde o início do conflito, as estimativas de profissionais de imprensa assassinados variam de cerca de 190 a mais de 240 — mais do que em qualquer outra guerra de que se tenha notícia, superando todos os mortos nos últimos 80 anos.

O Estado sionista precisa ser isolado e banido de todo e qualquer convívio internacional, assim como ocorreu com a África do Sul sob o apartheid.

Há, contudo, sinais de reação: o chanceler da Indonésia anunciou que o país está propondo legislação interna para declarar Israel um Estado de apartheid. E exortou com precisão: “O mundo precisa chamar as coisas pelo seu nome.”

No plano internacional, o presidente dos EUA praticamente propõe uma nova Conferência de Berlim (1885), aquela que dividiu o mundo entre as potências do Norte. Desta vez, porém, a Europa Ocidental é apenas vassala, sem direito a assento.

Os lugares estão reservados apenas para potências nucleares — hoje, só o poder militar conta. A diplomacia virou instrumento de pilhagem: a assinatura do acordo de paz entre a Armênia e o Azerbaijão foi precedida por um contrato entre o Azerbaijão e a Chevron. Ainda não se sabe qual será a fatia das riquezas minerais que a Armênia terá de entregar aos EUA.

No caso brasileiro, para compensar a imensa fragilidade militar — que vai desde a formação do pessoal até a dependência ideológica e material dos EUA — a diplomacia terá de se esmerar.

Com a ausência do principal estrategista da Chancelaria, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, não se vislumbra substituto. Ou teremos uma política externa participativa ou ficaremos restritos à promoção comercial de produtos, justamente aqueles que sofrem tarifas extorsivas por parte dos EUA.

A integração latino-americana e caribenha deveria ser prioridade, em obediência ao parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal. O mesmo vale para a aproximação com a África — em respeito à dívida histórica e ao potencial de riqueza que as trocas com o continente geram.

Logo em seguida, viriam os BRICS.

Para essa empreitada heroica — de Davi contra Golias — precisaremos de todos: pretos, brancos, amarelos, indígenas, cristãos, muçulmanos, judeus não sionistas, povos de terreiro, evangélicos etc. Todos estão aqui, neste País, em quantidade e qualidade.

Convoquemos essas forças para pensar juntos. São o melhor da Terra das Palmeiras, Pindorama. Precisamos saber “Como nascem as estrelas”. Na obra homônima de Clarice Lispector (Editora Rocco), voltada ao público infantil, nossa judia, ucraniana, brasileira, pernambucana e carioca ensina:

“Vamos voltar e trazer uns curumins… Curumim dá sorte. E deu mesmo. Os garotos pareciam adivinhar as coisas: foram retinho em frente e, numa clareira da floresta — eis um milharal crescendo alto.”

Libertemos o Darcy Ribeiro que todos carregamos. Este país é único em sua miscigenação. Temos muito a ensinar e ainda mais a aprender. São dádivas legadas por nossos pais, avós e ancestrais incontáveis, cuja cultura trazemos no coração. Basta ouvi-los e deixar que o diálogo nos guie.

Não serão poucos os obstáculos, mas vale a pena superá-los. Só juntos, em comunhão, encontraremos soluções.

Em Futuro ancestral (Companhia das Letras), Ailton Krenak observa:

“Marilena Chaui, quando foi secretária de Cultura de São Paulo, organizou uma discussão sobre o público e o privado no espaço urbano e, naquela ocasião, ficou muito claro que a cidade moderna não tolera o comum; ao contrário, ela o hostiliza… Que ‘comum’ é esse que o tempo inteiro é invadido por algum sujeito que pode se apropriar dele?”

Temos dificuldade em compreender isso, mas um indígena nos iluminou o caminho: nas periferias, urbanas ou rurais, não há espaços comuns — praças, cinemas, bibliotecas, teatros, ruas pavimentadas. Os únicos espaços “comuns” que permitem alguma troca são os bares (apenas para homens) e as igrejas, sobretudo as evangélicas.

Nesse sentido, erram profundamente aqueles que as demonizam. Falam do que não conhecem — e nisso se inclui boa parte dos progressistas e partidos de esquerda, incapazes de enxergar uma realidade invisível para quem não põe os pés nas periferias.

Krenak completa, com a clareza de sempre:

“Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui.”

E, com Clarice, em A hora da estrela (Rocco), reflitamos:

“E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.”

Completemo-nos como os jovens estadunidenses que, no último fim de semana, protestaram contra Trump ao som de Caetano Veloso; ou como os judeus que, em Jerusalém, hasteiam bandeiras palestinas tão altas que a polícia de Netanyahu não consegue sequer retirá-las.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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