

Opinião
A força da grana
O futebol tornou-se um dos grandes negócios da sociedade moderna. Os clubes, por sua vez, foram transformados em “balcões de feira”


Não são poucas nem irrelevantes as mudanças que se anunciam no setor esportivo. O movimento de transformação acontece, sobretudo, no futebol internacional, mas gera repercussões também no Brasil, onde temos acompanhado as tentativas de formação de novas associações de clubes, no modelo Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
Cabe lembrar que, em julho de 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 5516/19, do Senado Federal, que estimula a transformação dos clubes de futebol em empresas sociedades anônimas e prevê regras de parcelamento das dívidas atuais.
Por meio da excelente pesquisa encabeçada pelo geógrafo Jonathan Ferreira e pelo advogado Luciano Motta, especializado em Direito Societário, fiquei sabendo que existem hoje no País 136 clubes-empresas, com diferentes formas jurídicas (Eireli, Ltda.) e agora as SAF.
A pesquisa acadêmica por eles conduzida foi tema do podcast “Dinheiro em Jogo”, do Globo Esporte, em um episódio intitulado O Mapa do Clube-Empresa no Brasil. Ouvindo esse trabalho, extenso e profundo, me dei conta do quanto o esporte profissional vem se transformando e também ficaram evidentes, para mim, as razões que explicam a penúria do futebol “profissional” em nossa terra.
Intensidade e negócio são as palavras de ordem no esporte atual, dentro e fora do campo. Este foi, inclusive, o tema da ótima coluna de Sérgio Redes no jornal O Povo, de Fortaleza.
Para começar, é preciso lembrar que muitos clubes ingleses e outros europeus funcionam há décadas como empresas. Ao pensar sobre isso, fiquei lembrando as iniciativas brasileiras nesse sentido, muitas vindas lá de trás.
As mais conhecidas delas foram as do empresário paranaense Joel Malucelli, o Centro de Futebol Zico (CFZ), no Rio de Janeiro, e a do Pelé, dirigida pelo “compadrinho” Mama, o Manoel Maria. Lembro também da ideia de um Corinthians em Alagoas. Zico, em sua luta diante das portas fechadas que encontrou no sistema, tentou uma mudança para Brasília. Seguem, porém, funcionando suas instalações na Barra da Tijuca (RJ).
Uma das curiosidades desse tipo de iniciativa é que elas acabam se acomodando às circunstâncias e, em meio a tantas dificuldades para levar adiante os projetos, não se interessam em disputar campeonatos “oficiais”.
Tendem, quase sempre, a seguir apenas como formadores de jovens jogadores para abastecer o valorizado “mercado”. Esta é, na realidade, a situação do futebol brasileiro neste momento. E ela ajuda a entender como clubes de grande tradição vêm sendo rebaixados ou até mesmo alijados de campeonatos de ponta.
Não se trata de um caso pontual, ou de um descontrole ocasional. Já faz muito tempo que essa engrenagem do futebol vem conduzindo a uma decadência do todo. Tal processo começou com um ou outro time de ponta sendo rebaixado, e culminou neste estágio em que estamos. Não há, por exemplo, sequer um time baiano ou pernambucano na série A. Nos últimos 12 anos, o Vasco foi rebaixado quatro vezes.
Se tudo isso acontece é porque o esporte, em geral, e o futebol, em particular, tornaram-se grandes negócios da sociedade moderna. Os clubes, por sua vez, foram transformados em “balcões de feira”.
Os empresários – agora chamados investidores – compram clubes de pequeno porte, filiados às federações e, portanto, ao sistema da Fifa, e oficializam suas transações independentes dos demais clubes, principalmente os de grande porte.
Os grandes clubes têm de seguir uma série de regras relativas à organização-padrão de diretorias, à existência de conselhos deliberativos e fiscais e à realização de eleições.
Isso ajuda a entender por que razão clubes chamados pequenos, sem tradição ou história de grandes conquistas sobem rapidamente, tomando o lugar dos antes poderosos. Os outrora grandes seguem presos aos poderes restritos da estrutura arcaica, disfarçada de entidade sem fins lucrativos.
O caso do Botafogo é emblemático. Houve uma grande discussão interna, mas, no fim, a saída foi a transformação numa SAF, que, em três anos, terá um investimento de 350 milhões de reais da Eagle Holdings.
Para não esquecer da bola rolando, registro aqui a decisão da Supercopa, no domingo 20, entre Flamengo e Galo Mineiro. A partida, como tem acontecido com as várias decisões recentes, foi de prender a respiração. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1197 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE MARÇO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A força da grana”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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