Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

A falta que ela faz

Dona Georgia, Geneton Moraes Neto e Jô Soares são pessoas que nunca vou acreditar que morreram. Pra mim, não morreram

Foto: Alberto Villas
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Dona Georgia, grega raiz, era uma figurinha única. Pouco mais de um metro e meio, rechonchudinha, personalidade forte, bem brava quando precisava. Mulher à moda antiga, não podia ver um homem lavando vasilha que passava um sabão na mulherada.

– O Billas lavando as louças e quatro mulheres aí à toa, olhando pra ele! -, dizia ela, sempre defendendo e querendo dar conforto aos homens.

Dona Georgia me chamava de Billas, como chamava de Bellita o café Mellita.

Sua filha Olga, um dos anjos da guarda dela, deu um jeito de sintonizar na televisão as novelas gregas que ela assistia à tarde, se sentindo em casa.

Pouco antes de partir para Vryses, no Peleponeso, onde passei uma temporada na casa dela, Dona Georgia me alertou, sentada numa poltrona no apartamento de Higienópolis.

– Todas as noites, fecha bem, tranca bem as portas e as janelas! Cuidado com o lupo!

Ela misturava um pouco o grego, com o português e com o italiano, já que passou uma temporada na terra de Pasolini.

Na temporada que passei lá, não vi nenhum lobo, mas toda noite trancava com firmeza as portas e janelas da casa, conheço bem a história do lobo mau.

Os últimos anos de vida dela não foram fáceis. Com dificuldade para respirar, Dona Georgia circulava pelo apartamento levando o que chamávamos antigamente de balão de oxigênio, hoje mais modernos, menores e com rodinhas.

Mesmo com aquela geringonça a seu lado, ela foi algumas vezes ao Café Cristallo, no Shopping Higienópolis, onde encontrava suas amigas e batia ponto todo final de tarde. Sentava naquelas cadeiras de vime como uma matriarca e ficava ali horas jogando conversa fora e apreciando o movimento.

De vez em quando eu vou ao café Cristallo, como hoje, só pra lembrar da Dona Georgia. É curioso, toda vez que sento para tomar um café, comer uma coxinha e depois, num gole só, beber a água mineral com gás naquele copinho, eu sinto que ela está por ali.

Dona Georgia, Geneton Moraes Neto e Jô Soares são pessoas que nunca vou acreditar que morreram. Pra mim, não morreram.

Eu adorava abraçar Dona Georgia, baixinha, meio gordinha, ela lembrava muito a minha mãe.

Alguns anos antes de partir, ela foi na sua terra natal e mandou de lá uma foto que não me sai da cabeça: com um cajardo nas mãos, Dona Georgia pastorava cabras nas montanhas de Vryses, lembrando seus tempos de juventude.

Já faz um tempo que ela nos deixou. Vira e mexe, passo de ônibus em frente ao Cemitério dos Protestantes, na Rua Sergipe, onde Dona Georgia está descansando. É lá que estão também Charles Miller, o pai do futebol brasileiro, e o meu amigo de redação Rubens Ewald Filho.

Sempre que o ônibus para no ponto em frente ao portão principal, ele está fechado com corrente e cadeado. O dia que encontrar o portão aberto, vou apertar o botão e descer. Queria muito deixar um ramalhete de alecrim para Dona Georgia, igual aquele que cultivava na bancada do apartamento de Higienópolis. Ela merece.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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