A esquerda pode mesmo ganhar as eleições em São Paulo?

Os problemas na cidade se avolumam e, quando a campanha começar, a insatisfação difusa das pessoas com a vida cotidiana vai encontrar o foco na gestão municipal

Fotos: Divulgação; e Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

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Na sequência das três pesquisas de opinião nacionais que apontaram o aumento da desaprovação do governo Lula, o Datafolha divulgou um levantamento sobre a disputa pela prefeitura de São Paulo. A pesquisa, que foi a campo em 07 e 08 de março (cerca de uma semana após o campo dos levantamentos nacionais), mostrou um empate técnico entre Guilherme Boulos (PSOL), que tem o apoio de Lula, e Ricardo Nunes (MDB), atual prefeito e que tem apoio de Bolsonaro.

Na pesquisa, Boulos e Nunes aparecem praticamente empatados na corrida pela prefeitura de São Paulo, com o psolista levemente à frente, com 30% das preferências, contra 29% de Nunes. O prefeito viu a avaliação da sua gestão melhorar, saltando de 23% em agosto de 2023 para 29% em março de 2024. E, em matéria de rejeição, o candidato do MDB manteve o patamar em 26%, contra 34% de Boulos, que oscilou acima da margem de erro nesse período.

Nos dias seguintes, o Datafolha divulgou outros dados importantes, que indicam o tamanho da ‘nacionalização’ da disputa em São Paulo: 63% dos paulistanos afirmam não votar jamais em alguém apoiado por Bolsonaro, contra 42% que dizem o mesmo em relação a um candidato ungido por Lula. Na direção inversa, 55% dos eleitores votariam com certeza ou que talvez votem em alguém apoiado por Lula, enquanto 36% falam o mesmo de Bolsonaro. Finalmente, enquanto 54% das pessoas entrevistadas sabem que Lula apoia Boulos, apenas 37% identificam que Bolsonaro apoia Nunes.

O feito de Nunes até agora foi conquistar as intenções de voto bolsonaristas sem herdar a rejeição de Bolsonaro. É pouco provável, entretanto, que ele sustente essa proeza

Os números indicam desafios para Nunes, começando pela tendência dos governantes em elevar sua aprovação e chances eleitorais por meio da divulgação de suas gestões com recursos do governo. No caso do prefeito de São Paulo, essa situação é ampliada pelo seu prévio desconhecimento público. Com mais publicidade oficial, sua imagem se fortalece, um efeito que só diminui quando a oposição puder usar seu espaço na mídia e nas ruas para desafiar essa imagem.

Importante destacar que 64% dos entrevistados acreditam que o prefeito não atendeu às expectativas na resolução dos problemas da cidade, o que reflete uma percepção geral de deterioração da qualidade de vida. Durante a campanha, com o apoio de seis partidos e significativo tempo de TV, Boulos e os demais concorrentes terão a oportunidade de vincular essa insatisfação generalizada ao prefeito atual.

A segunda dimensão envolve a polarização Lula x Bolsonaro. O feito de Nunes até agora foi conquistar as intenções de voto bolsonaristas sem herdar a rejeição que Bolsonaro carrega. Entretanto, é pouco provável – eu diria que é impossível – que ele sustente essa proeza durante toda a disputa eleitoral. No quadro de polarização que vivemos, a mobilização eleitoral responde a dois impulsos que se complementam: tanto a adesão à candidatura que expressa seus valores e preferências quanto à rejeição ao projeto que representa aquilo que você combate.


Para ganhar em um cenário desses, é preciso ter as duas dimensões juntas. É por isso que as candidaturas da chamada “terceira via” não vingam. Até existe um eleitor cansado da polarização e que apresenta disposição em aderir a alguma candidatura mais de centro-esquerda ou centro-direita, como foi Simone Tebet em 2022 – ou como poderia ser Tabata Amaral em 2024. Contudo, este eleitor também rejeita de modo decisivo um dos dois polos e isso leva a maior parte das pessoas com esse perfil a abandonar o “centro” e migrar logo para a candidatura que pode derrotar aquele projeto que é mais rejeitado.

A enorme rejeição de Bolsonaro em São Paulo mostra que o quadro político e eleitoral na capital paulista não mudou desde as eleições presidenciais, quando os paulistanos deram 54% de votos para Lula e 55% para Fernando Haddad (que disputava o governo do estado). Soma-se a esse cenário a péssima gestão de Nunes. Os problemas na cidade se avolumam e, vale repetir, quando a campanha começar, a insatisfação difusa das pessoas com a vida cotidiana vai encontrar o foco na gestão municipal.

A manutenção do cenário de rejeição do paulistano a Bolsonaro e a consolidação do sentimento de que a vida na cidade de São Paulo pode ser melhor com uma nova gestão é decisiva para afirmarmos que sim, a esquerda pode ganhar a prefeitura da maior cidade da América Latina.

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