A escolha de Lula

A aliança com Alckmin só valoriza a grandeza e o caráter do ex-presidente

Geraldo Alckmin é indicado pelo PSB a vice de Lula (PT). Foto: Ricardo Stuckert

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A escolha de Geraldo Alckmin para candidato a vice-presidente é, antes do mais, uma solução inteligente do ponto de vista eleitoral. A esquerda precisa de abertura, não de sectarismo. Se bem entendo a política brasileira, Alckmin é um símbolo da moderação política e a esquerda precisa garantir que o seu programa é reformista, não de ajuste de contas. A corrida para cobrir o centro faz todo o sentido.

Depois, a escolha só valoriza Lula. Valoriza a sua grandeza. Valoriza a sua nobreza política. Valoriza o seu caráter. Ele sabe que nesta eleição é mais do que ele. Sabe que representa milhões de brasileiros que o acompanham e que sofreram com ele a prisão injusta. Sabe o que representa também para muita gente fora do Brasil, que olha para ele com a esperança do combate contra a vergonhosa utilização do aparelho judicial para fins políticos. Sabe que a circunstância o transformou em símbolo do Estado de Direito e do império da lei. Sabe o que os seus gestos significam para os outros, sabe o que os outros esperam dele, sabe o quanto vale. Conhece bem as suas responsabilidades. Hoje, ostentando com orgulho as cicatrizes da batalha, volta a mostrar que está pronto. A sua tarefa é transformar velhos inimigos em leais adversários. O seu gesto político brilha na simplicidade – estender a mão para um novo começo. E o Brasil precisa de um novo começo.

Outro ponto tem a ver com a direita. De certa forma, essa chapa simboliza o corte da direita com a extrema-direita e o regresso ao caminho das regras democráticas, donde nunca deveria ter saí­do. ­Alckmin é, talvez, o primeiro a perceber que o único caminho da direita que aspira a representar um projeto majoritário é a ruptura total com a extrema-direita. A cumplicidade a coloca numa espécie de parceiro júnior do atual governo, donde nunca poderá aspirar a uma posição de liderança de um projeto político nacional competitivo. No fundo, a questão é simples – para se afirmar, a direita democrática precisa romper com o governo. Romper com a boçalidade, com o insulto, com a brutalidade, com uma certa compreensão da política que a vê como simples exercício de agressão aos ­adversários. Na noite das últimas eleições, a principal derrotada não foi a esquerda, que teve 70 milhões de votos e uma derrota digna. A principal derrotada foi a direita democrática, que ficou sem espaço político, sem programa e sem liderança. Nesse momento, a direita ficou refém do resultado do golpe parlamentar de que foi cúmplice. A atitude de Alckmin é o primeiro gesto consequente de quem pretende resgatar a direita democrática brasileira da situação de refém da extrema-direita em que se encontra. É o primeiro passo de quem aspira a representar, de novo, um projeto nacional com identidade própria. A aliança Lula-­Alckmin representa, aos meus olhos, a maturidade da esquerda e a lucidez da direita. Para esta última, o caminho vai ser longo na recuperação do reconhecimento e do prestígio de outrora. Seja como for, para o ­Brasil e para a democracia, a aliança entre as duas lideranças é uma boa notícia.

Parece que nenhuma análise eleitoral estará completa sem falar da terceira via, assunto preferido do jornalismo brasileiro. Mas o que tenho a dizer é pouco visto que esta hipótese eleitoral se afundou abraçada a um personagem sem consequência. Afundou-se na ostentação da mediocridade do antigo juiz. Nada a oferecer. Nada, a não ser a entediante carreira do oportunista, e desses o Brasil tem demais. A recente troca de partidos só confirma o lamentável espetáculo. O espetáculo do nada. Passemos à frente.

Alguns veem o próximo pleito eleitoral como o momento anti-Bolsonaro. Prefiro olhar para ele como a batalha pós-Bolsonaro. O Brasil precisa de um novo pacto social, um novo projeto. O Brasil precisa resgatar a sua política externa e a sua influência no mundo, que é também, agora, o prestígio da língua portuguesa. O Brasil precisa responder de novo aos problemas da fome e da miséria. O Brasil não pode continuar com a desigualdade social que lhe quebra a energia e a capacidade de crescer economicamente. O Brasil precisa dar oportunidades de educação e de emprego aos seus jovens. Enfim, o Brasil precisa de um projeto de desenvolvimento e precisa definir o papel que o Estado pode ter nesse caminho.

Talvez baste de disparate e de despreparo. Talvez seja altura de parar com os passeios de moto e as repulsivas graçolas com a tortura. O tempo, agora, exige experiência e preparação política. O tempo é de responsabilidade na governança. Lula joga nesta eleição o que tem de mais precioso – a sua biografia e a sua reputação de estadista. Aos meus olhos, começou muito bem a campanha. •


PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1205 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A escolha de Lula”

 

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1 comentário

PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 25 de abril de 2022 16h27
Essa aliança do ex presidente Lula com o ex governador de São Paulo, Geraldo Alckmin foi mais que um golpe de mestre de ambos, foi um gesto de generosidade de dois ex adversários políticos históricos, para salvar a política e livrar o país do extremismo bolsonarista. Assim, Lula para tentar ganhar as eleições em primeiro turno e projetar o seu futuro para uma governabilidade sólida e propositiva, não obstante, terá um trabalho árduo pela frente, com muitos obstáculos, primeiro para vencer a máquina bolsonarista, depois para governar e reconstruir o país, recuperar a autoestima do povo tão sofrido e espezinhado com o desemprego, fome, desestruturação do Estado, desindustrialização, reformas sociais implementadas pelo neoliberalismo, todo os esgarçamento das políticas públicas. Esperamos que esse novo governo de esperança nos traga a certeza de dias melhores com essa frente ampla, geral e irrestrita de forças verdadeiramente democráticas contra o neoliberalismo e o extremismo de direita que aterrorizaram o Brasil.

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