Opinião
A escolha de Lula
A aliança com Alckmin só valoriza a grandeza e o caráter do ex-presidente
A escolha de Geraldo Alckmin para candidato a vice-presidente é, antes do mais, uma solução inteligente do ponto de vista eleitoral. A esquerda precisa de abertura, não de sectarismo. Se bem entendo a política brasileira, Alckmin é um símbolo da moderação política e a esquerda precisa garantir que o seu programa é reformista, não de ajuste de contas. A corrida para cobrir o centro faz todo o sentido.
Depois, a escolha só valoriza Lula. Valoriza a sua grandeza. Valoriza a sua nobreza política. Valoriza o seu caráter. Ele sabe que nesta eleição é mais do que ele. Sabe que representa milhões de brasileiros que o acompanham e que sofreram com ele a prisão injusta. Sabe o que representa também para muita gente fora do Brasil, que olha para ele com a esperança do combate contra a vergonhosa utilização do aparelho judicial para fins políticos. Sabe que a circunstância o transformou em símbolo do Estado de Direito e do império da lei. Sabe o que os seus gestos significam para os outros, sabe o que os outros esperam dele, sabe o quanto vale. Conhece bem as suas responsabilidades. Hoje, ostentando com orgulho as cicatrizes da batalha, volta a mostrar que está pronto. A sua tarefa é transformar velhos inimigos em leais adversários. O seu gesto político brilha na simplicidade – estender a mão para um novo começo. E o Brasil precisa de um novo começo.
Outro ponto tem a ver com a direita. De certa forma, essa chapa simboliza o corte da direita com a extrema-direita e o regresso ao caminho das regras democráticas, donde nunca deveria ter saído. Alckmin é, talvez, o primeiro a perceber que o único caminho da direita que aspira a representar um projeto majoritário é a ruptura total com a extrema-direita. A cumplicidade a coloca numa espécie de parceiro júnior do atual governo, donde nunca poderá aspirar a uma posição de liderança de um projeto político nacional competitivo. No fundo, a questão é simples – para se afirmar, a direita democrática precisa romper com o governo. Romper com a boçalidade, com o insulto, com a brutalidade, com uma certa compreensão da política que a vê como simples exercício de agressão aos adversários. Na noite das últimas eleições, a principal derrotada não foi a esquerda, que teve 70 milhões de votos e uma derrota digna. A principal derrotada foi a direita democrática, que ficou sem espaço político, sem programa e sem liderança. Nesse momento, a direita ficou refém do resultado do golpe parlamentar de que foi cúmplice. A atitude de Alckmin é o primeiro gesto consequente de quem pretende resgatar a direita democrática brasileira da situação de refém da extrema-direita em que se encontra. É o primeiro passo de quem aspira a representar, de novo, um projeto nacional com identidade própria. A aliança Lula-Alckmin representa, aos meus olhos, a maturidade da esquerda e a lucidez da direita. Para esta última, o caminho vai ser longo na recuperação do reconhecimento e do prestígio de outrora. Seja como for, para o Brasil e para a democracia, a aliança entre as duas lideranças é uma boa notícia.
Parece que nenhuma análise eleitoral estará completa sem falar da terceira via, assunto preferido do jornalismo brasileiro. Mas o que tenho a dizer é pouco visto que esta hipótese eleitoral se afundou abraçada a um personagem sem consequência. Afundou-se na ostentação da mediocridade do antigo juiz. Nada a oferecer. Nada, a não ser a entediante carreira do oportunista, e desses o Brasil tem demais. A recente troca de partidos só confirma o lamentável espetáculo. O espetáculo do nada. Passemos à frente.
Alguns veem o próximo pleito eleitoral como o momento anti-Bolsonaro. Prefiro olhar para ele como a batalha pós-Bolsonaro. O Brasil precisa de um novo pacto social, um novo projeto. O Brasil precisa resgatar a sua política externa e a sua influência no mundo, que é também, agora, o prestígio da língua portuguesa. O Brasil precisa responder de novo aos problemas da fome e da miséria. O Brasil não pode continuar com a desigualdade social que lhe quebra a energia e a capacidade de crescer economicamente. O Brasil precisa dar oportunidades de educação e de emprego aos seus jovens. Enfim, o Brasil precisa de um projeto de desenvolvimento e precisa definir o papel que o Estado pode ter nesse caminho.
Talvez baste de disparate e de despreparo. Talvez seja altura de parar com os passeios de moto e as repulsivas graçolas com a tortura. O tempo, agora, exige experiência e preparação política. O tempo é de responsabilidade na governança. Lula joga nesta eleição o que tem de mais precioso – a sua biografia e a sua reputação de estadista. Aos meus olhos, começou muito bem a campanha. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1205 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A escolha de Lula”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.
Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.