Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

A escola expulsa os meninos negros e os empurra para as cadeias

As práticas discriminatórias têm roubado desse grupo direitos e oportunidades

Foto: iStock
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Em junho deste ano, comprei “Interseccionalidade”, livro da socióloga afro-americana Patricia Hill Collins, em parceria com a professora Sirma Bilge. O correr dos dias e o acúmulo de trabalho fizeram com que eu pudesse lê-lo somente agora.

Como estudiosa das relações de gênero e dos feminismos, os desafios enfrentados pelas intelectuais afrodescendentes na universidade são o tema que mais me chama a atenção na obra de Collins, uma vez que trajetórias de acadêmicas negras constituem meu objeto de pesquisa há algum tempo.

Ao folhear a obra lançada pela editora Boitempo, foi com surpresa que encontrei no sumário um artigo dedicado à educação, área que me move, encanta, fascina e a qual pretendo me dedicar até o fim da minha vida. No capítulo intitulado “Interseccionalidade e pensamento crítico”, as autoras ressaltam a importância da obra de Paulo Freire e destacam questões contemporâneas, como o avanço da agenda neoliberal sobre os sistemas de ensino, em que as escolas são pensadas exclusivamente para “produzir trabalhadoras e trabalhadores com competências comercializáveis”.

Em relação à incidência do racismo nos espaços de saber, Patrícia Hill Collins e Sirma Bilge fazem uma afirmação contundente: “No ensino fundamental, meninos negros são alvo de práticas disciplinares mais severas que outros estudantes (…). Eles são expulsos do ensino médio e apresentam uma taxa de abandono escolar desproporcional. Eles acabam desproporcionalmente na prisão, alimentando o crescimento da indústria do encarceramento”.

O exposto acima diz respeito ao contexto estadunidense, mas, infelizmente, pode ser perfeitamente aplicável à realidade brasileira. É o que pesquisas divulgadas recentemente nos dizem.

Passados 18 anos da promulgação da Lei nº 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira em sala de aula e, consequentemente, o combate ao racismo nas instituições de ensino, a violência física e simbólica, as desigualdades educacionais decorrentes da discriminação racial ainda são uma constante nas escolas de todo o país.

Em 2019, um estudo sobre avaliação escolar realizado pela Fundação Tide Setúbal, apontou que entre os estudantes matriculados em turmas do 5º Ano de escolas municipais da cidade de São Paulo, as notas mais baixas na disciplina de Língua Portuguesa foram dos meninos negros.

Também em 2019, um levantamento feito pelo IBGE revelou que 10 milhões de jovens com idade entre 17 e 29 anos não concluíram o ensino médio. Desse total, 70% eram negros, número que tende a piorar em razão da omissão do Ministério da Educação durante a pandemia. Pesquisas já dão conta de que, ao longo do período em que o ensino presencial deu lugar ao remoto, estudantes negros foram os que encontraram maiores dificuldades para acessar a internet e recursos tecnológicos, como também lideram as estatísticas relativas ao abandono escolar.

A partir dos dados acima e dos apontamentos feitos por Patricia Hill Collins e Sira Bilge, evidencia-se que o racismo estrutural da sociedade brasileira se faz presente nas redes de ensino. Percebe-se que as diversas formas de preconceito motivados pela cor da pele impactam diretamente no sucesso e na permanência dos afro-brasileiros nos bancos escolares. Desse modo, os processos de exclusão e estigmatização vivenciados pelos meninos negros desde os primeiros anos da vida escolar têm colaborado para a perpetuação da sociedade desumana, desigual, perversa e violenta em que vivemos.

As práticas discriminatórias têm roubado desse grupo direitos e oportunidades, como também têm contribuído para a presença maciça de corpos negros nas prisões brasileiras. Conforme aponta o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), somente no Distrito Federal, 83,8% da população encarcerada é formada por pretos e pardos.

Como se pode perceber, além de humanidade negada, dos meninos negros têm sido roubados sonhos e perspectivas de futuro. A reversão desse quadro bárbaro, aterrorizante e inaceitável demanda a mobilização e o engajamento de toda a sociedade. Os profissionais da educação são parte importantíssima desse processo.

Se nada for feito, a escola continuará sendo uma espaço que expulsa os meninos negros e os empurra para as cadeias espalhadas pelo país.

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