Gabriel Quatrochi

Opinião

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A era das fintechs?

Não é certo que os novos provedores de serviços financeiros vão, de fato, ampliar a concorrência no setor

A era das fintechs?
A era das fintechs?
Atração. O Nubank, entre outros, tem recebido a atenção e os aportes de grandes investidores. Mas não é a regra - Imagem: Nubank Creative Lab
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Desde os longínquos tempos de Schumpeter e Keynes, até os mais recentes de ­Victoria Chick e Minsky, sabe-se quão inovadores são os bancos – seja pela própria história do desenvolvimento do setor, seja pelo papel-chave no financiamento da própria atividade inovativa. Enfim, os bancos são agentes schumpeterianos par excellence.

Talvez por não se enquadrarem entre os setores industriais intensivos em tecnologia, pouca ênfase, dentre os estudos de inovação e concorrência, tem se dado às inovações em processo do setor – aquelas que contribuem para o crescimento econômico de longo prazo, por financiarem a atividade produtiva. A ­maioria das análises apenas pincela (com o característico otimismo bobo) as possibilidades abertas pelas inovações, sem olhar para o que acontece em volta. Justamente aí pudemos contribuir, com o objetivo de não só descrever as trajetórias tecnológicas “4.0” e seus novos agentes, mas essencialmente defrontá-los às estratégias dos muitíssimo bem estabelecidos incumbentes do setor, a fim de entender como as condições competitivas podem (ou não) assegurar a permanência das bolas da vez, as fintechs. Nesse sentido, avanços e melhoras na regulamentação são uma recomendação de primeira ordem se o objetivo for, mais do que “integrar” os novos players à estrutura de mercado precedente, realmente lhes assegurar a liquidez e a solidez financeira necessárias.

A chegada das “tecnologias 4.0” às formas de acessar e processar o serviço bancário tem tomado diversas formas no Brasil, sendo as fintechs (e bancos digitais) e o open banking as mais concretas. Possivelmente, muitos já ouviram falar: ­fintechs são empresas altamente intensivas em tecnologia para prover serviços financeiros (banking, empréstimos etc.). O que a maioria não sabe é que, ao menos no Brasil, líder no ecossistema de fintechs na América Latina e o quarto do mundo na taxa de utilização, algumas são bem mais do que pequenas startups. Apoiadas em investidores internacionais como o ­SoftBank, ou em grupos como J&F e Globo, as líderes do segmento têm recebido investimentos da monta de bilhões de dólares.

O mesmo ocorre com os bancos digitais. Com a enorme vantagem (ao menos do ponto de vista competitivo) de captar e gerenciar recursos de terceiros sem incorrer em estruturas físicas e relações comerciais que são caras e de longo prazo, os bancos digitais daqui têm recebido investimentos ainda maiores, com destaque para o Nubank, o maior banco digital independente do mundo e que, sucessivamente, quebra seus próprios recordes de montantes recebidos de investidores como Goldman Sachs e ­Berkshire ­Hathaway, de Warren Buffett.

A chegada desses novos ofertantes tem suscitado expectativas demasiadamente otimistas de uma possível redução no altíssimo spread bancário brasileiro e no custo médio do crédito, aumentando a eficiência do setor de intermediação de crédito. É o que se vê em posicionamentos, por exemplo, do Banco Central, como se um salto quântico da entrada à permanência garantisse o papel efetivo que tais players possam vir a desempenhar no mercado de crédito. Parece escapar a tais análises a importância em se olhar como os bancos incumbentes têm reagido.

As instituições tradicionais ainda levam enorme vantagem nessa competição

Desde a reforma bancária, na década de 1960, quando iniciou o processo pesado de automação do setor, os bancos gradativamente conformaram uma poderosíssima estratégia de estreitamento das relações usuário-produtor: adquirindo participações em seus fornecedores de informática para mais tarde produzirem in house. Assim nasceram a Digilab e a ­Itautec, as então subsidiárias do Bradesco e do Itaú utilizadas como estratégia para a compra de participações nos fornecedores do segmento, quando do auge do paradigma da microeletrônica, marcando aquela que seria a revolução industrial precedente àquela que supostamente está em curso.

Tais estratégias de inovação oligopolistas são bastante semelhantes às atuais. Desde 2015, o Itaú dispõe, como principal estratégia, do Cubo, o maior hub de empreendedorismo tecnológico da América Latina, que opera em um prédio de 13 andares em São Paulo, onde, aproximadamente, 400 startups trabalham diariamente no desenvolvimento de projetos para o banco. Igualmente, o InovaBra é o “ecossistema de coinovação” do Bradesco, financiado pela venture capital do próprio banco que investe via aquisição direta de ações ou títulos em startups. Sem contar o Next, o braço do conglomerado mirando os bancos digitais. O objetivo de ambas as iniciativas é claro: como sintomaticamente afirmou o Itaú, “os incumbentes precisam encontrar a inovação antes que os inovadores encontrem a distribuição”.

Nesse contexto é regulamentado por aqui o open banking. Grosso modo, trata-se do Uber ou do Facebook dos bancos, uma vez que se utiliza da mesma tecnologia (APIs) que diz ao motorista quem e onde você está, ou que permite o acesso a diversas contas online com um único login – só que, no caso, viabilizando a distribuição dos dados das contas a todo sistema bancário, incluindo as fintechs. O problema? Espera-se que instituições fornecedoras de dados (incumbentes) e receptoras (recém-chegados) “cooperem” reciprocamente sob a chamada “governança de autorregulação”, em que apenas alguns princípios são recomendados pelo órgão regulador, deixando todos os desenvolvimentos sujeitos a regulamentação apenas ex post. Não é preciso muito para saber quem deve levar a melhor.

Enquanto isso, o universo da maioria das fintechs, sem acesso aos fundos internacionais ou aos grandes oligopólios nacionais, segue a gravitar como correspondente bancário ou empresa de TI. Sim, pois, apesar da regulamentação desde 2018, menos de 5% do total de fintechs no Brasil foram reconhecidas, cerceando-lhes as possibilidades de obtenção de financiamento – dificuldade essa, inclusive, apontada como uma das principais barreiras ao crescimento. Talvez por isso, boa parte tenha a intenção de deixar o mercado ou considere os bancos como “compradores potenciais” ou “futuros parceiros de negócios”. •


*O autor é doutorando pelo Instituto de Economia da Unicamp. Este é um resumo do artigo acadêmico em parceria com Ana Lúcia G. da Silva e José Eduardo Cassiolato (Quatrochi; Silva; Cassiolato. Banks 4.0 in Brazil: Possibilities to Ensure Fintechs Financing Role Through its Market Positioning. Innovation and Development: https://doi.org/10.1080/2157930X.2022.2086336).

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1221 DE CARTACAPITAL, EM 17 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A era das fintechs?”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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