João Sicsú

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Professor do Instituto de Economia da UFRJ, foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA entre 2007 e 2011.

Opinião

A disputa permanente pelo 13º salário

Não pagar o 13º seria roubar quem trabalhou durante 52 semanas no ano, mas receberia somente por 48

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O 13º salário foi aprovado na Câmara dos Deputados em 1962, por iniciativa do deputado federal Aarão Steinbruch, do Rio de Janeiro. Steinbruch era advogado de sindicatos e filiado ao PTB, partido que representava à época o trabalhismo.

Naquele mesmo ano, a lei do 13º também foi aprovada no Senado. Em 13 de julho de 1962, o então presidente João Goulart assinou a sua criação.

Algumas semanas antes da sua aprovação final, a manchete de capa do O GLOBO foi: “Considerado desastroso para o país um 13º salário”. Segundo o periódico, “a medida teria cunho meramente eleitoreiro”. A Fiesp também se posicionou contra.

A aprovação do 13º salário foi tensa e disputada no Congresso e na sociedade. Houve muita mobilização dos trabalhadores por meio de manifestações e movimentos grevistas.

Na Câmara, por exemplo, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) decidiu opinar sobre o mérito da proposta, rejeitando-a. Mas nada apresentou contra a sua constitucionalidade.

Por outro lado, a Comissão de Legislação Social rebateu a CCJ: “… a douta Comissão de Justiça entrou no mérito da proposição o que não encontra amparo no Regimento Interno da Casa” e aprovou por unanimidade o mérito da proposta.

Elói Dutra, deputado do PTB e aliado próximo do Presidente Getúlio Vargas, foi um expoente na defesa do 13º salário. Ele utilizou um argumento desprezado por empresários, mas bastante óbvio e correto: “… ganhará muito a indústria e o comércio com a generalização da prática, pois que as classes trabalhadoras poderão adquirir uma massa bem maior de bens de consumo, o que é do maior interesse para industriais e comerciantes”.

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Jessé Freire, deputado do PSD, foi um dos expoentes da oposição à aprovação da lei. Argumentava que as classes produtoras já estavam sobrecarregadas com a obrigação do salário-mínimo e com os encargos previdenciários.

Além disso, considerava que a adoção do 13º salário provocaria inflação o que, por seu turno, prejudicaria o trabalhador. Posteriormente, Freire não só apoiou o movimento golpista político-militar-empresarial de1964, “como participou ativamente de sua fase preparatória na área empresarial” (FGV/CPDOC). Ele transitou do PSD para a ARENA nos anos 1960.

Tal como Jessé Freire, a chapa concorrente à Presidência da República, composta por novos e antigos “transformadores” de regimes democráticos, defende o fim do 13º salário. O argumento apresentado é simples, mas é errado para quem conhece o calendário e a aritmética básica.

Dizem: se o empresário e o governo arrecadam 12 meses, não podem pagar 13. Errado!

O mês salarial é configurado por 4 semanas de trabalho. Em nosso calendário, há oito meses com quatro semanas e quatro meses com cinco semanas. Portanto, a arrecadação é feita por 52 semanas no ano. Isso equivale a 13 meses de quatro semanas de receita empresarial e arrecadação tributária ao longo do ano.

Nos Estados Unidos e em outros países onde dizem não existir o 13º salário, o trabalhador é pago semanalmente. Ou seja, recebem por 52 semanas. Isso equivale a 13 salários de quatro semanas de trabalho.

Mais: nos EUA, além de existir o pagamento sim das 52 semanas, é prática comum – embora não obrigatória – ser distribuído algum bônus em dinheiro em dezembro (é sempre inferior ao salário).

Há ainda casos em que as empresas distribuem vouchers de supermercados para transformar o abono natalino em consumo obrigatório – o que estimula a economia. Portanto, nos EUA há mais benefícios remuneratórios ao trabalhador do que no Brasil, e não o contrário.

Uma conclusão poderia ser que não pagar o 13º no Brasil seria roubar o trabalhador que prestou serviços durante 52 semanas no ano (13 meses de quatro semanas), mas receberia somente 48 semanas (12 meses de quatro semanas).

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