Amarílis Costa

Advogada, doutoranda em Direitos Humanos na Faculdade de Direito USP, mestra em Ciências Humanas, pesquisadora do GEPPIS-EACH-USP, diretora executiva da Rede Liberdade.

Opinião

A direita simplifica, a esquerda se complica

Recuos apressados, como no caso do Pix, ou a incapacidade de defender avanços, como o combate à sonegação fiscal, enfraquecem o governo

A direita simplifica, a esquerda se complica
A direita simplifica, a esquerda se complica
O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Erros de comunicação de governos abrem espaço para narrativas oportunistas. Foi o que ocorreu na recente polêmica do Pix, envolvendo a revogação de uma norma da Receita Federal sobre monitoramento financeiro. Embora tecnicamente justificável para combater sonegação fiscal, a medida foi engolida por um tsunami de desinformação. O governo, lento em reagir, permitiu que a mentira de que o Pix seria taxado se disseminasse, alcançando 67% da população, segundo a Quaest. Em apenas duas semanas, o tema gerou mais de 5 milhões de menções nas redes sociais. O resultado foi um recuo constrangedor, com a oposição assumindo a narrativa política do país.

Esse episódio revela algo mais profundo: a dificuldade da esquerda em se comunicar de forma eficaz com a população.

Na Cracolândia, em São Paulo, outro símbolo da desconexão com a sociedade emergiu: um muro erguido pela Prefeitura para isolar pessoas em situação de rua. Mais do que uma barreira física, o muro reflete a visão predominante de tratar desigualdade social como problema de segurança, não de direitos humanos. Curiosamente, enquanto opositores do governo federal criam alarde sobre o Pix, permanecem calados sobre o muro. É uma estratégia eficiente de seleção de pautas que expõe, mais uma vez, a falta de coordenação narrativa da esquerda.

Essa falha é gritante no ambiente digital. A extrema-direita domina as redes, transformando pautas conservadoras em mensagens simples e emotivas, facilmente viralizáveis. Parlamentares como Nikolas Ferreira exemplificam essa eficiência ao traduzir ideias complexas para a linguagem popular. Enquanto isso, a esquerda se desconecta, ignorando temas que poderiam ampliar sua base, como o discurso religioso, essencial para dialogar com milhões de brasileiros. Paradoxalmente, o campo progressista parece ter esquecido que sua história foi moldada em alianças com movimentos religiosos e populares.

Essa desconexão também é evidente em momentos como o discurso recente de Lula sobre amantes, no qual o improviso gerou críticas machistas e desviou o foco da celebração da democracia. A falta de sensibilidade reforça a impressão de um governo que fala para sua bolha, sem considerar a pluralidade da sociedade brasileira.

É urgente um debate sincero sobre os erros de comunicação e estratégia política da esquerda. Recuos apressados, como no caso do Pix, ou a incapacidade de defender avanços, como o combate à sonegação fiscal, enfraquecem o governo. A ausência de presença simbólica, seja no discurso religioso, seja na linguagem das redes, entrega a narrativa de bandeja à oposição.

Enquanto isso, muros são erguidos, fake news prosperam, e a democracia — que deveria ser nossa paixão comum — perde espaço.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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