Marcio Derenne

Delegado federal, foi vice-diretor da Interpol na ONU em NY e Chefe do escritório da Interpol na OEA em Washington.

Opinião

A ‘difusão vermelha’ da Interpol e sua aplicabilidade em um mundo politicamente instável

Todos os pedidos de ‘red notice’ são analisados com a máxima cautela por uma comissão independente

O atual sistema politico brasileiro faz com que não só a Interpol queira chegar perto de Paulo Maluf.
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A Interpol, maior e mais prestigiosa organização policial do mundo, completa 100 anos neste 2023 – mais precisamente no dia 07 de setembro, mesma data da declaração da independência de nosso amado Brasil.

Desde sua criação, a organização contribui com investigações e repressão a crimes transnacionais, além de se organizar mundialmente para o cumprimento de ordens de prisão expedidos pelos países que a integram, as conhecidas e temidas Red Notices (difusão vermelha).

Dois princípios basilares orientam a atuação da polícia internacional: a independência e a neutralidade. Tais princípios encontram-se insculpidos no artigo 3º da Constituição da ICPO-Interpol e visam manter a instituição livre de usos inadequados, evitando desta forma que a Interpol seja utilizada como um instrumento de perseguição política, empresarial, militar, religiosa ou racial (lawfare). 

Por este motivo, todos os pedidos de Red Notice são analisados com a máxima cautela por uma Comissão independente composta por advogados, profissionais eleitos de diferentes países. Esta Comissão avalia todos os contextos, e a própria natureza do ato, dos pedidos de difusão vermelha que são encaminhados pelos países membros.

A norma mais importante para se garantir a correta atuação da Interpol é, indiscutivelmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela ONU em 1948. De nada valeria a atuação firme da Interpol contra o crime se ela apaticamente expedisse Red Notices decorrentes de ordens de prisão que violassem a norma mais importante do Direito Internacional. ‘E primordial que seja garantida uma esfera mínima dos direitos de qualquer pessoa quando se está a falar do cerceamento da liberdade de locomoção. Estes direitos não devem ser violados, e a Interpol deve estar presente para zelar por sua preservação.

Historicamente a organização vem cumprindo com sucesso a sua missão institucional, e em algumas oportunidades tem indeferido ou revisto os pedidos de difusão vermelha quando existem dúvidas quanto a sua real finalidade. Relembremos, recentemente, o caso em que o Ira (2020) emitiu uma ordem de prisão contra o ex-presidente americano Donald Trump e solicitou a inclusão na lista de procurados internacionais. Tal devaneio político foi negado de pronto pela organização policial.

O mesmo ocorreu com a China (2019) quando apresentou ordem de prisão eminentemente política contra o ativista Yidiresi Aishan, que seria preso no Marrocos como terrorista. Este cancelamento de Red Notices se deu pela preocupação de que a Interpol estivesse sendo utilizada como instrumento para captura de dissidentes políticos do regime chines. Impediu-se a possibilidade de tratar como terrorista um ativista político que estava sendo criminalizado pela sua opinião.

No caso do nosso Brasil, a Interpol retirou de sua lista de procurados o advogado brasileiro Tacla Duran. Especificamente neste caso a Interpol entendeu que foram desrespeitadas regras internacionais pelo juiz Sergio Moro.

Há ainda outros casos como o da Turquia após a tentativa de golpe militar em 2016. Uma grande quantidade de Red Notices da Justiça do país foi negada pela Interpol.

Na América Latina, atualmente, salta aos olhos a situação da Guatemala, com graves violações aos diretos humanos sendo perpetradas conforme constatado pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos e pelo próprio governo americano no Guatemala 2021 Human Rights Report. Foi constatada perseguição política aos opositores do governo atual. O mesmo podendo ser constatado, com frequência, na vizinha próxima Nicarágua.

Como traz a ideia basilar deste pequeno artigo, tais ordens de prisão, seja do governo guatemalteco, turco, iraniano, ou de outro qualquer, sempre que emanadas sem a observância dos princípios legais citados, devem ser observadas com cuidado pela Commission for the Control of Interpol Files, ficando desta forma preservada a independência e neutralidade da maior organização policial do mundo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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