Justiça

A democracia de verdade precisa da força das ruas

Perigos da pandemia e ameaças do governo não podem ser pretextos para jogar água fria na disposição popular a se manifestar

Manifestações em Brasília contra o presidente Jair Bolsonaro. Foto: AFP
Apoie Siga-nos no

Depois dos atos de rua pela democracia dois últimos dois finais de semana, uma polêmica atravessou os 70% que se opõem a Bolsonaro e seu projeto: é hora de fazer manifestações de rua no atual momento da pandemia? Manifestar-se agora não seria um provocação capaz de levar o presidente e seus auxiliares de farda a uma quartelada aventureira contra o STF e o Congresso?

É evidente que seria muito bom que ninguém precisasse sair de casa a esta altura da crise sanitária – crise que aliás foi agravada pelo negacionismo do presidente, pelo seu chamado insistente a que o povo despreze os alertas sobre o vírus, pelo seu mau exemplo e de seus apoiadores.

Não há contradição entre continuar a defender o direito ao isolamento social e manifestações pontuais de ruas inadiáveis – com as devidas medidas de precauções sanitárias – pela urgência da necessidade de garantia da democracia e da luta antirrascista.

O problema é que ficar em casa nunca foi uma opção para a maioria dos brasileiros, obrigados uns a trabalhar fora na quarentena, outros a se desesperar pela falta de renda e emprego, outras e outros a se confinarem em casas minúsculas, às vezes sem água, que facilitam a propagação da Covid-19. Todos desse Brasil dos de baixo não têm acesso a planos privados de saúde. Boa parte enfrenta, junto com tudo isso, a bruta violência das polícias.

A pandemia agudizou e trouxe à tona a profunda desigualdade social, racial e de gênero do Brasil. A Covid-19 mata mais periféricos do que gente dos Centros; mais negros do que brancos, mais pobres do ricos. As quarentenas matam mais mulheres por violência doméstica e tiram mais trabalho dos informais, dos plugados nas plataformas, ao que se somam as absurdas operações policiais de perseguição e assassinato de jovens negros das quebradas. Por isso, o jovem Wesley Texeira, de Duque de Caxias, RJ, disse no ato do movimento negro do domingo no Rio: “Viemos para a rua, porque eles vão à nossa casa para nos matar”.

Foto: Pam Santos

Duas crises

Como disse o sociólogo português Boaventura Santos, o Brasil tem dois problemas de saúde pública: a Covid-19 e o governo Bolsonaro. Uma pandemia global mal-enfrentada por um governo ultraneoliberal com pretensões fascistas. À medida que vê cair o prestígio de seu governo e tem seus abusos limitados pelas instituições, Bolsonaro e seus homens elevam o tom das ameaças. Recados de ruptura por parte dos filhos, atas e artigos golpistas de ministros militares, rugidos de ódio à oposição por parte do vice, xingamentos a governadores, prefeitos, magistrados e parlamentares por parte do próprio mandatário, somados a seguidos atos de rua pró-golpe e a organização descarada de uma milícia nazifascista (os 300 de Sara Winter).

As movimentações da base e da cúpula bolsonaristas são, evidentemente, amedrontadoras. Não é humano quem não sente medo, mas a reação não pode ser a do avestruz. É preciso reagir também com a racionalidade da experiência histórica. São muito bem-vindas, supernecessárias, amplas frentes e movimentos unitários pró-democracia e antifascismo, como o #EstamosJuntos, a carta do mundo jurídico e o Somos 70%. Mas não se derrota projetos autoritários apenas com manifestos, articulações parlamentares, frentes institucionais e conferências on line.

A mobilização do último domingo e as que virão  – que tomarão todos os cuidados sanitários possíveis contra a Covid-19, dando exemplo de preocupação com a vida – elevam o preço que Bolsonaro e demais golpistas teriam que pagar em caso de se aventurarem contra as liberdades e instituições democráticas. Saindo às ruas, não fazemos crescer as chances de golpe, mas a diminuímos.  Teremos também mais chance de que a pressão  das ruas traga políticas que garantam o isolamento dos mais pobres.

Os golpistas não precisam do pretexto de “atos violentos” (depredações e ateamento de fogo a objetos) para agir contra a democracia. É constrangedor que partidos de oposição, em particular os da esquerda, encampem como justificável a ideia de que eventuais  e isolados atos violentos sejam motivo para que  o governo feche o regime políticos. O Brasil passou por 2013 sem ameaças de fechamento nesse nível. Nos Estados Unidos, agora, a alta cúpula militar e até George W. Bush se indispõem com Trump, por este ter falado em usar as Forças Armadas contra o povo, por conta de “atos violentos”.

A escalada autoritária vem se agravando desde o início da pandemia – que escapou aos planos do governo – sem qualquer pretexto, sem qualquer ato de rua. Eles contam muito mais com nosso silêncio e nossa inação para continuarem avançando.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo