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A curiosa visão do Antagonista sobre o sistema de justiça

Fiel escudeiro do lavajatismo, não parece tão interessado em discutir quando membros de carreiras jurídicas são patrocinados por empresas

Moro e Bolsonaro. Foto: Evaristo Sa/AFP
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O site O Antagonista reclamou da realização de um encontro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) junto a membros do MST no Rio Grande do Norte. Achou um absurdo que magistrados tenham dividido espaço com sem-terras, ironizando a “imparcialidade da Justiça do Trabalho” e sugerindo que o CNJ intervenha na “revolucionária AJD”.

O jornalismo do Antagonista, que está na linha de frente da defesa do lavajatismo, não viu problemas no conluio entre o ex-juiz Moro e os procuradores da força tarefa da Lava Jato. Também achou trivial o fato de seu ídolo-maior ter se tornado ministro daquele cuja vitória dificilmente aconteceria se não fosse a forcinha dada pela 13ª Vara Federal de Curitiba em prender e tirar da disputa eleitoral o único candidato que lhe podia fazer frente.

A turma de Mainardi se filia à máxima deltaniana segundo a qual tudo isso não passa de filigrana diante dos propósitos divinos da operação.

Mais sortudo que a AJD, Moro, que servia de coach para a acusação do ex-presidente Lula, não mereceu a intervenção do CNJ quando tornou público o áudio da conversa entre Lula e Dilma. Pelo contrário.

O fosso civilizatório é bem mais profundo do que aparenta. A Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh -, rede nacional composta por entidades e organizações de assessoria jurídica e movimentos sociais voltadas à questão dos direitos humanos no sistema de justiça, fez um levantamento das relações da magistratura com entidades empresariais, onde destacou três eixos do que qualifica como “captura corporativa”:

Patrocínio de eventos da magistratura, por meio do qual as empresas financiam e participam ativamente de congressos, seminários e cursos para juízes, desembargadores e ministros;

Pagamento de honorários para realização de palestras em eventos promovidos pelas empresas;

Suspensão de Segurança como instrumento jurídico para viabilizar no âmbito judicial a realização, por exemplo, de grandes projetos e megaeventos.

A reportagem do Brasil de Fato sobre o tema destaca o financiamento de eventos da magistratura por parte de empresas que litigam na justiça, sendo comum sua realização em resorts e hotéis de luxo. É provável que os arcanjos da moralidade da força tarefa também achem que esse tipo de relação promíscua seja uma filigrana. A começar pelo próprio autor da expressão.

Em uma palestra no Ceará, Dallagnol exigiu, além do pagamento de trinta mil reais, o passe para seus filhos e sua esposa se divertirem no Beach Park, maior parque aquático da América Latina. Em outra ocasião, a Unimed, uma de suas contratantes, conseguiu se safar do juízo divino do lavajatismo: embora planos de saúde tenham sido citados em delações premiadas, Dallagnol não dedicou muita atenção ao eventual envolvimento do ramo com maracutaias.

Nas mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil, o procurador chega a incentivar uma colega a oferecer serviços de palestras à própria Unimed, uma entusiasta doadora de recursos para candidaturas adversárias do PT em 2014, como mostrou reportagem da CartaCapital.

O Antagonista, claro, não pediu que o CNJ intervisse para colocar o lavajatismo na linha. O site se tornou uma espécie de puxadinho da assessoria de comunicação da força tarefa – com o diferencial da devoção eclesiástica que o leva a fazer contorcionismos para defender seus integrantes. Até o sigilo da fonte, garantia constitucional fundamental à liberdade de imprensa, entrou na sua lista de desafetos ao lado de Glenn Greenwald.

O dinheiro explica em parte toda essa disposição para professar idolatrias religiosas no lugar de jornalismo. Recente matéria também do The Intercept Brasil demonstrou como o Google treinou e enriqueceu blogueiros antipetistas por meio do compartilhamento fake news. Qual foi o case de sucesso que a empresa mostrou aos seus interlocutores? Exatamente, o O Antagonista.

Nas democracias liberais, imprensa livre e magistratura imparcial são aquelas alinhadas de alguma maneira ao poder econômico, tão natural quanto o átomo de hidrogênio, segundo a apologética burguesa. Qualquer problema, está aí o AI-5 de Paulo Guedes e Eduardo Bolsonaro para corrigir eventuais pontos fora da curva.

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