Paulo Nogueira Batista Jr.

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Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

A cúpula dos Brics em Brasília

Dificilmente o Brasil voltará a exercer sob Bolsonaro o papel que já teve nos Brics e na política internacional de uma maneira mais geral

Os presidentes dos cinco países que compõem o Brics. (Foto: Alan Santos/PR)
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A recém-concluída cúpula dos líderes dos Brics, realizada em Brasília, foi recebida com ceticismo em alguns meios. Jim O´Neill, o economista que criou o acrônimo Brics, questionou a relevância do grupo e chegou a dizer que ninguém notaria se não acontecesse a reunião.

Exagero manifesto do economista. Um encontro desses países no mais alto nível político sempre se reveste de importância. Não se deve esquecer que o grupo reúne quatro dos cinco gigantes do mundo. Apenas cinco países, leitor, fazem parte ao mesmo tempo das listas dos dez maiores PIBs, territórios e populações. Esses cinco são os Estados Unidos e os quatro Brics originais – Brasil, Rússia, Índia e China. Por isso, aliás, batizei o livro que lancei há pouco de “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”.

 

Bem sei que o Brasil não vem se comportando à altura das suas dimensões. De uns tempos para cá, lamento dizer, nosso país tem sido um gigante com atitudes de anão. Atitudes não raro humilhantes, que demonstram total falta de noção da importância do país e de como funcionam as relações internacionais.

Dois aspectos da política externa contribuíram, em especial, para prejudicar a presidência brasileira dos Brics em 2019 e esvaziar em alguma medida a cúpula de Brasília: o alinhamento do governo Bolsonaro aos EUA e, ligada a isso, a má condução do relacionamento com os vizinhos sul-americanos. O Brasil passou a ser visto como um país sem voz e opinião próprias e perdeu liderança na sua região. Destoou, também, das políticas externas dos demais países dos Brics, que prezam a sua capacidade de agir de forma autônoma e rejeitam, por suposto, alinhamentos automáticos.

Em consequência, quebrou-se uma tradição que vinha sendo estabelecida nas cúpulas dos Brics – o assim chamado outreach regional, isto é, o convite a países da região para um diálogo com os líderes dos BRICS. Em 2014, por exemplo, na cúpula de Fortaleza presidida por Dilma Rousseff, compareceram todos os líderes da América do Sul, sem exceção. Agora, as discordâncias entre o Brasil, de um lado, e China e Rússia, do outro, sobre Venezuela e outras questões acabaram levando a que fosse suprimido o outreach regional.

Mas, enfim, a irracionalidade tem limites. O governo brasileiro abandonou a hostilidade gratuita à China, nosso principal parceiro comercial, e está em curso uma reaproximação entre os dois países. Aos poucos, parece estar caindo a ficha de que o alinhamento aos EUA e as concessões unilaterais feitas pelo governo brasileiro não vão surtir os efeitos esperados.

Não preciso recapitular aqui a sucessão de decepções que o governo Bolsonaro tem tido no seu relacionamento supostamente especial com o governo Trump. Isso era totalmente previsível. Os americanos não respeitam, nem sequer entendem, comportamentos subservientes. E tratam com desprezo seus satélites. Cansei de ver isso nos oito anos em que trabalhei em Washington, de 2007 a 2015, tanto no FMI como nas reuniões do G20. O Brasil nessa época era outro – e se comportava como o grande país que é.

Uma das razões de uma certa perda de dinamismo dos Brics é justamente o encolhimento do papel do Brasil desde 2015, depois da crise política e econômica que se abateu sobre o país. Participei do processo Brics desde o começo do grupo em 2008 e posso testemunhar que o Brasil era, até 2014, senão o motor dos Brics, certamente um dos motores do grupo. Era um país que propunha, formulava e liderava negociações. Um Brasil ativo e engajado tem feito falta aos Brics.

Isso pode mudar? Bem, dificilmente o Brasil voltará a exercer sob Bolsonaro o papel que já teve nos Brics e na política internacional de uma maneira mais geral. Mas é possível que a postura do país melhore um pouco. Já houve sinais disso na cúpula de Brasília. Por exemplo, o presidente Bolsonaro sinalizou em algumas declarações equidistância na guerra comercial EUA-China. O comunicado final da reunião assinado pelos líderes dos Brics reitera o compromisso com o multilateralismo e o Acordo de Paris sobre a mudança do clima – na contramão do que vem sendo preconizado pelo governo Trump.

O Brasil passa agora a presidência rotativa dos Brics à Rússia a quem caberá liderar as atividades do grupo no ano que vem. Mas, em 2020, estará nas mãos do governo brasileiro uma decisão crucial para o grupo: a indicação do presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), mais conhecido como Banco dos Brics. Esse banco é o mais importante mecanismo criado pelos cinco países. Em Fortaleza, foi estabelecido que o Brasil teria o direito de indicar o segundo presidente do NBD, com mandato de cinco anos a contar de julho de 2020.

O NBD está progredindo mais lentamente do que se esperava, por razões explicadas em detalhe no livro que lancei recentemente. Um desses motivos foi a escolha infeliz da primeira administração do banco, liderada pelo indiano KV Kamath, que não tem visão, liderança e iniciativa. Com um comando fraco, o NBD ainda não mostrou a que veio na maior parte das suas áreas de atuação. Em 2020 e 2021, entretanto, toda a alta administração do banco, o presidente e os quatro vice-presidentes, serão substituídos, como prevê o convênio constitutivo do banco. Os Brics têm assim a oportunidade de relançar e redinamizar essa que é a sua principal realização prática até agora.

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