Opinião

A cultura no protagonismo da interpretação política

As raízes podres daquela ‘civilização’ invasora, a extrema-direita da época, permitem entender a incúria da atual

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

“…os erros cometidos por um movimento operário verdadeiramente revolucionário são, do ponto de vista histórico, infinitamente mais fecundos e valiosos que a infalibilidade do melhor ‘comitê central” (Rosa Luxemburgo)

Em meio à pandemia, ao menos uma boa notícia: o número de candidaturas LGBTI+ para as próximas eleições municipais é recorde.

Tendo em vista que a extrema-direita, homofóbica, elegeu-se, em grande parte, graças à homofobia de parcelas significativas da população, aquele dado é muito relevante.

Em chave gramsciniana, em que a cultura assume o protagonismo da interpretação política, podemos inferir que a sociedade brasileira, de forma saudável, busca suas melhores raízes. 

Com efeito, entre os povos indígenas que habitavam o país, antes da invasão portuguesa em 1500, não há registro de qualquer tipo de discriminação por orientação sexual. Ao contrário, as e os transexuais eram tidos como seres com maior capacidade de apreensão e aconselhamento, por estarem aptos a transitarem entre duas realidades, o que faz todo sentido.

Sobre a contribuição mais ampla que essas valorosas civilizações deram ao mundo, vale lembrar o que Darcy Ribeiro escrevera em “América Latina: a Pátria Grande”: “Isso é tanto mais espantoso quando se verificam os vínculos da difusão de notícias sobre as sociedades indígenas ainda não estratificadas em classes, com o ascender do pensamento utópico na Europa. Foram as notícias delas que inspiraram Thomas Morus, encandearam a Erasmo e Campanella, alentaram Rousseau a inverter o entendimento europeu do mundo. Com base nelas é que se arrancou o Paraíso Perdido do passado, para projeta-lo, mirífico, no futuro”.

 

As raízes podres daquela “civilização” invasora, a extrema-direita da época, permitem entender a incúria da atual, que matou no Brasil mais do que a bomba de Hiroshima, ou seja, mais de 90.000 pessoas nesta pandemia.

Nesse sentido, vale citar Darcy Ribeiro, que, naquela mesma obra, recorda a respeito do holocausto indígena: “A dimensão desse genocídio pode ser avaliada pela redução da população indígena americana no primeiro século. Ela, que era, provavelmente, superior a cem milhões em 1500, se viu reduzida a menos de dez milhões em 1825”. Complementa o autor: “No Brasil, por exemplo, dos cinco a seis milhões de índios de 1500 restam hoje algo como 250 mil”.

Com efeito, em meio ao atual genocídio da população indígena, com notícias inclusive de drogas ministradas por militares não habilitados a prescrever medicação, cumpre tentar discernir as raízes boas das más, separar o joio do trigo, como nos insta o próprio Cristo, pois o joio – pelas maldades cometidas – terá como destino o inferno eterno, onde são incessantes “o choro e o ranger de dentes”.

Sobre o mal que a atual extrema-direita brasileira inflige sobre o próprio povo e os demais povos da América do Sul, vale lembrar que o desgoverno brasileiro, juntamente com a União Europeia e o império de Trump, são os responsáveis diretos pelo golpe de estado na Bolívia, cujos tiranos, na iminência de perderem as eleições, mais uma vez as adiaram.

No entanto, da própria Bolívia nos vem a lição de como o mal inexoravelmente será despojado de tudo, inclusive a vida terrena e a eterna – para os que nela acreditam.

De fato, em “Dias e noites de amor e de guerra”, recorda Eduardo Galeano que foi o seguinte o destino dos covardes assassinos do Che Guevara: “René Barrientos, o ditador, deu a ordem de matá-lo. Terminou engolido pelas chamas de seu helicóptero, um ano e meio mais tarde. O coronel Zenteno Anaya, chefe das tropas que cercaram e agarraram Che em Nancahuazu, transmitiu a ordem. Muito tempo depois, se meteu em conspirações. O ditador de turno ficou sabendo. Zenteno Anaya caiu crivado de balas em Paris, uma manhã de primavera. O comandante ranger Andrés Selich preparou a execução. Em 1972 foi morto a porradas por seus próprios funcionários, os torturadores profissionais do Ministério do Interior. Mario Terán, sargento, executou a ordem. Foi ele quem disparou a rajada contra o corpo de Guevara, que estava estendido na escolinha de La Higuera. Terán está internado em um hospício: baba e responde besteiras a qualquer pergunta. O coronel Quintanilla anunciou ao mundo a morte de Che. Exibiu o cadáver a fotógrafos e jornalistas. Quintanilla morreu com três tiros em Hamburgo, em 1971”.

Para nos contrapormos à iniquidade, à injustiça e à desigualdade social, propugnada pela extrema-direita, Fábio Régio Bento, em “Frei Betto e o Socialismo Pós-Ateísta”, prescreve algo de muita validade: “A farinha e o fermento da mudança de sistema estão na base popular, são a base popular que, na América Latina, África, Ásia é majoritariamente religiosa. Nesse sentido, a passagem da religiosidade conservadora à religiosidade revolucionária não ocorrerá pela negação ateísta tout court da religião, mas pelo reconhecimento de suas peculiaridades epistemológicas e políticas no trabalho de alfabetização política. Aduz o autor: “Uma base que, repetindo, gostem ou não gostem os militantes ateístas, em muitos lugares, do mundo foi e continua sendo majoritariamente religiosa apesar da decenal propaganda ateísta dos iluministas burgueses e dos socialistas positivistas”.

Na semana em que mais de mil padres brasileiros apoiaram o manifesto de 152 bispos contra a “economia de morte” do atual desgoverno, inepto e incapaz, e em que o Papa Francisco agradeceu ao MST pelas toneladas de alimentos doados aos famintos das periferias brasileiras, podemos ter a certeza de que a história não se repetirá como no Holocausto, pois se aqui há semelhante genocida, tanto aqui e quanto em Roma não se repetirá o silêncio cúmplice de muitos pastores que calaram diante do holocausto das ovelhas.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo