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A crítica ao governo PT e a “autocrítica” nos termos de opositores

Sob ataques de diversas frentes a anos, exigir que partido se some aos críticos nos moldes que se impõem é uma ilusão

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Foi destaque nos jornais a recente afirmação de Lula de que o PT não tem que fazer autocrítica. Segundo ele, quem deve criticar o partido são os seus antagonistas. “Vocês já viram alguém pedir para FHC fazer autocrítica?”, provocou o ex-presidente.

Os clamores para que o PT faça uma autocrítica têm origem tanto na esquerda como na direita. Da política econômica de Dilma ao fato de que o partido não abriu mão da cabeça de chapa na eleição presidencial de 2018, tais pedidos tendem a orbitar em torno da expectativa de que o PT abra um flanco para que seus adversários – que não são poucos – avancem contra seu legado e até contra sua própria existência.

É evidente que os governos petistas estão sujeitos a inúmeras críticas. Escolha equivocada de ministros do STF, distanciamento das bases, ausência de reformas estruturais, crença na conciliação de classes. A lista é longa.

Mas isso não quer dizer que Lula não esteja certo: o PT, por uma questão lógica, deve deixar a crítica para quem lhe faz oposição, hoje concentrada sob o comando de quem já manifestou em público o desejo de metralhar petistas. Não há qualquer obrigação moral do partido de se somar aos seus críticos, principalmente se são condescendentes com a afirmação de que seus filiados e simpatizantes devem ser executados na Ponta da Praia.

Ex-presidente Lula. Foto: Leo MALAFAIA / FOLHA DE PERNAMBUCO / AFP

Qual outra sigla é diariamente provocada com uma enxurrada de pedidos de autocrítica? O que significa, na vida real, sucumbir a um constrangimento do qual todas as demais agremiações estão livres? Em um quadro de acirramento, autocrítica significa municiar adversários, os quais, por sua vez, estão livres de pressões para que subam em um caixote e gritem em praça pública que tomaram decisões erradas.

Os limitados recursos de que dispõe e o nível de exposição do PT, alvo de críticas tanto pertinentes quanto panfletárias, à direita e à esquerda, faz com que seja muito mais racional que gaste suas forças defendendo suas virtudes e enfrentando os ataques que lhe são dirigidos do que se juntando aos que os promovem. 

Mas o que parte dos fetichistas da autocrítica de fato querem é que ela seja feita nos termos, condições e parâmetros da direita. Deve estar, portanto, dentro do guarda-chuva de quem vê no PT a representação viva da corrupção satânica, do estatismo atroz e da profanação abortista.

Para esse pessoal, o intervencionismo de Dilma na economia foi o responsável pela crise – uma mentira, mas que leva em seu bagageiro o reconhecimento implícito e vitorioso das medidas neoliberais adotadas por Paulo Guedes – e Bolsonaro só venceu a eleição porque o PT não abdicou da hegemonia no campo progressista, diagnóstico propagado com entusiasmo por Ciro Gomes, que acredita que se não fossem Lula e Haddad teria superado seu fabuloso crescimento de 1,5% nas três eleições presidenciais que disputou nos últimos vinte anos.

Lula, Dilma e mesmo Haddad já fizeram autocríticas, mas, como o seu conteúdo não se alinha aos propósitos do antipetismo, foram ignoradas por quem exige que se autoflagelem no afã de mordiscar seu capital político e eleitoral.

Questionado em suas entrevistas sobre onde errou em seus governos, Lula resistiu em fazer algumas concessões mais do que razoáveis – afinal, estava preso e com tempo contado -, mas reconheceu, por exemplo, que falhou em não ter comprado a briga pela democratização dos meios de comunicação, uma previsão constitucional. 

Se Haddad concordou publicamente com a crítica de Mano Brown de que o PT deixou de falar a língua do povo, Dilma já reconheceu o retumbante fracasso de sua política de desonerações fiscais que garantiu centenas de bilhões ao empresariado sem que houvesse os respectivos reflexos na economia. Conseguem imaginar pedidos de autocrítica para que se ateste o completo fiasco da diminuição de impostos em gerar benefícios à população? E das fracassadas políticas de austeridade tocadas por Joaquim Levy quando à frente do Ministério da Fazenda?

No final das contas, quem insiste na autocrítica do PT não quer o mesmo que Mano Brown.

Tampouco está preocupado com os equívocos dos governos petistas que contribuíram para que parte da classe trabalhadora optasse por Bolsonaro. Quer, sim, que o partido se alinhe à narrativa de seus opositores, imolando-se no altar do antipetismo ou se autopenitenciando com os chicotes emprestados pela direita liberal e bolsonarista. 

Em condições normais de temperatura e pressão democráticas, é legítimo que queiram derrotar o PT pelos meios convencionais. Só que tais condições não mais existem, de modo que estes meios, a começar pelas eleições, deixaram de ter a solidez institucional de antes, o que acaba por mostrar como é acertada a escolha do PT em não morder essa isca e assim repetir o erro cometido por Evo Morales. Não dar corda a uma extrema direita que não esconde o desejo de ver toda a esquerda enforcada é estratégia de sobrevivência.

 

Darcy Ribeiro, analisando os equívocos da esquerda no golpe de 1973 no Chile, afirmou que os socialistas, entregues a disputas estéreis com os comunistas, puseram nelas mais energias que na luta concreta contra o inimigo comum. Em entrevista à Jovem Pan, Guilherme Boulos afirmou que Lula não precisou pedir licença a Brizola para ocupar o posto de principal referência da esquerda. Foi lá e se candidatou à presidência em 1989, sem adotar o brizolismo como adversário.

Ciro Gomes, que vem demonstrando ter muito mais divergências com o PT que com o bolsonarismo, deveria marcar um café com o líder do MTST antes de querer se colocar como vanguarda das forças progressistas. 

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