Luiz Gonzaga Belluzzo

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Economista e professor, consultor editorial de CartaCapital.

Opinião

A criptomoeda do Facebook não salva ninguém (os tolos deveriam saber)

Na dança das cadeiras, muitos ficam sem assento. Só o provimento de dinheiro pelo Banco Central salva

Foto: Agência Brasil
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O economista Joseph Stigliz recebeu a paus e pedras a criptomoeda que o Facebook oferece à sua multidão de clientes. No site de opinião Project Syndicate, Stiglitz espaldeirou a Libra, nova aventura do venturoso Mark Zuckerberg: “Apenas um tolo confiaria seu bem-estar financeiro ao Facebook. Mas talvez esse seja o ponto: com tantos dados pessoais de 2,4 bilhões de usuários ativos mensais, quem sabe melhor do que o Facebook quantos (tolos) nascem a cada minuto?”

Agraciado com o Nobel de Economia em 2001, Stiglitz desvencilhou-se das amarras do pensamento convencional e transformou-se em um crítico incansável do capitalismo em sua configuração atual. Em seu livro mais recente, People, Power, and Profits, adornado com o subtítulo Progressive Capitalism for an Age of Discontent, Stiglitz discorre sobre os desatinos e desarranjos do capitalismo realmente existente. Na próxima edição de CartaCapital prometo empenhar minhas limitadas capacidades em uma apresentação do livro.

Retorno ao Facebook e à sua pretensão de criar um espaço privado de emissão e controle da moeda. Stiglitz sugere que Zuckerberg e alguns de seus aliados corporativos decidiram que o mundo realmente precisa é de outra criptomoeda.

“O valor da nova moeda, a Libra, será fixado em termos de uma cesta global de moedas estatais, 100% apoiado presumivelmente em um portfólio de títulos do Tesouro dos governos. Então aqui está a fonte possível de receita: pagando nenhum juro em ‘depósitos’ (moedas tradicionais trocadas por Libra), o Facebook pode colher um lucro de arbitragem a partir do juro que recebe sobre o uso desses ‘depósitos’. Mas por que alguém daria ao Facebook um depósito de juros zero, quando poderia colocar seu dinheiro em uma conta ainda mais segura do Tesouro dos EUA, ou em um fundo de mercado monetário?”

Boa pergunta. A narrativa do Face-book, vendida para a multidão de tolos, acompanha as hipóteses da escolha individual no processo de intercâmbio de mercadorias. “No processo de mercado,” diz Ludwig von Mises, “o dinheiro é simplesmente um meio de intercâmbio de mercadorias e serviços. O dinheiro cumpre sua função ao tornar mais fácil esse intercâmbio do que seria possível na troca direta (barter, o chamado escambo).” Corifeu dos libertários abrigados na Escola austríaca, Von Mises abriu caminho para Hayek postular a privatização da moeda. No livro Denationalisation of Money, Hayek defende “A abolição do uso exclusivo em cada território nacional da moeda emitida pelo Estado e a admissão de moedas emitidas em pé de igualdade por outros governos… Ao mesmo tempo, é preciso eliminar o monopólio dos governos na oferta de moeda, para permitir o abastecimento do público com a moeda de sua preferência”.

Nas hipóteses da escola austríaca, o “processo de mercado” oferece a fluência e disponibilidade das informações para todos os indivíduos-protagonistas. As diferenças de poder financeiro entre os indivíduos são descartadas. Nas páginas do famoso livro O Caminho da Servidão, Hayek escreve: “O empregador e o indivíduo independente estão empenhados em definir e redefinir seu plano de vida, enquanto os trabalhadores cuidam, em grande medida, de se adaptar a uma situação dada”. Ao indivíduo trabalhador dependente faltariam, segundo Hayek, responsabilidade, iniciativa, curiosidade e ambição. Portanto, morram os fracos!!!

Presidente executivo do Facebook, Mark Zuckerberg. Foto: ©AFP / Yekaterina Shtukina

Tal como o Bitcoin e que tais, a Libra é um ativo financeiro emitido à margem da supervisão das autoridades e, assim, não pode assumir a função crucial da moeda como unidade de conta. As fortes e instáveis flutuações observadas no valor das criptomoedas as desqualificam como reservas de valor, ativos de última instância, refúgio dos possuidores de riqueza quando os mercados financeiros, depois das habituais traquinagens, buscam a proteção do Dinheiro.

É o que tentam nos ensinar as crises financeiras. Na última, a de 2007-2008, os bancos centrais forneceram Dinheiro com D maiúsculo para os bacanas dos mercados. Os sabichões estavam alocando “dinheiro” privado, denominado em moeda estatal, em ativos apetitosos que se revelaram tóxicos. Os bancos centrais – uns mais, outros menos – cuidaram de absorver ativos privados em seus balanços, enquanto os Tesouros se incumbiam da emissão generosa de títulos públicos para sustentar a rentabilidade das carteiras de ativos dos bancos privados.

Nos momentos de “crise de liquidez”, os portfólios se precipitam em massa para o ativo que encarna no imaginário social e na prática dos agentes privados a forma geral da riqueza. No entanto, se todos correm para a liquidez, poucos conseguem. Na dança das cadeiras, muitos ficam sem assento. Só o provimento de dinheiro pelo Banco Central salva.

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