Riad Younes

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Médico, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina da USP.

Opinião

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A corrupção é fatal

No Líbano, os desvios de verbas deixam a população sem remédios, sem hospitais públicos e à beira da morte

Imagem: iStock
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Corrupção mata. Literalmente, direta e indiretamente. Com a sequência de escândalos e denúncias de corrupção, desvio de verbas para longe de áreas essenciais como educação, segurança e saúde, para benefício próprio dos corruptos ou de seus planos político-eleitorais, fica cada vez mais claro o prejuízo social. Para termos uma ideia mais concreta de como a corrupção pode afetar a saúde dos brasileiros, tentarei dar um exemplo de um impacto letal.

Estou no Líbano há poucos dias. O que era um país diferenciado no Oriente Médio, com classe política e autoridades sabidamente corruptas, mas em níveis “razoáveis”, a ganância financeira e política da “elite” transformou essa pequena nação no maior exemplo de corrupção e de privilégios para poucos.

O resultado ficou óbvio na saúde da população libanesa. Exceto pelos 5% mais ricos, beneficiados por um sistema injusto de acesso a riqueza, emprego e recursos públicos, o restante dos libaneses amargou, nos últimos três anos, um empobrecimento intensivo, associado à ausência quase total da mínima proteção do Estado. Trata-se de uma lição para os brasileiros observarem, refletirem e evitarem a todo custo.

O desvio de verbas do Ministério da Saúde libanês levou, praticamente, ao desaparecimento dos remédios essenciais para doentes crônicos (diabéticos, hipertensos, portadores de tumores etc.) com subsídio público. Consequência fatal: centenas de libaneses pobres sem acesso a tais remédios protetores morrem de complicações passíveis de prevenção.

Dados oficiais mostram o aumento de mortalidade por doenças cardiovasculares e tumorais em mais de 37%, comparados com a década passada. Outra consequência fatal: os hospitais públicos ou aqueles que atendiam pacientes cobertos pelo sistema de saúde precário libanês (equivalente ao nosso SUS) não recebem, há meses, verbas devidas pelos atendimentos aos pacientes.

Muitos estão prestes a fechar e a maioria restringiu muito o acesso dos doentes. Atrasos de internações e de procedimentos curativos levaram à piora da saúde e à morte de doentes sem condições de arcar com os custos hospitalares exorbitantes.

A corrupção no sistema de controle de qualidade de medicamentos importados no Líbano expõe os poucos doentes com condições de comprar um remédio ao risco de tomarem medicamentos falsificados e/ou ineficazes.

Dois pacientes com câncer de próstata viram suas doenças, já em metástase, fugindo de controle ao adquirirem a única medicação disponível a preço acessível. Foi provado que os medicamentos não continham nem traços da substância farmacológica prescrita. Além de levar à perda de vidas, o sistema falido protege os culpados.

A corrupção do sistema de segurança básica mata. Policiais corruptos permitem absurdos no trânsito, recebendo ninharias em propinas. Também nesse caso, há uma consequência fatal, com o brusco aumento da mortalidade por acidentes de trânsito no país.

No Ministério da Energia, o desvio de verbas levou o Líbano a um quase ­blackout permanente da eletricidade nas casas, nas lojas e nas indústrias. Sem a climatização adequada, alimentos estragam nos refrigeradores de açougues, mercados, restaurantes, lanchonetes e domicílios ligados em períodos intermitentes.

Consequência fatal: intoxicação por consumo de carne mal refrigerada e centenas de pessoas internadas por hepatite tipo A grave, adquirida por consumo de água ou alimentos contaminados, alguns casos com falência terminal do fígado. Os recursos necessários para evitar esse desastre na saúde pública foram parar nos bolsos dos políticos corruptos do governo, sem escrúpulos e sem consciência.

A expectativa de vida dos libaneses tem diminuído nos últimos anos. A maioria das mortes em excesso decorre de doenças e complicações evitáveis. Bastaria alocar e administrar os recursos públicos da saúde de forma adequada e transparente. Por fim, lendo as notícias do Brasil nas últimas semanas, noto que os níveis de corrupção nos diversos ministérios também aumentaram progressivamente. Situação déjà vu no Líbano.

Precisamos pôr fim a esse quadro de corrupção galopante no Brasil. Temos, no Líbano, uma nação em falência social, um exemplo e uma triste lição. Corrupção mata. Independentemente do partido no poder, ou do espectro político dos governantes. Tolerância zero é a única solução. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1216 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A corrupção é fatal”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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