Opinião

A coragem necessária diante do esquecimento e inércia pelas mil mortes

Milton Rondó: 53% da população brasileira identificou Bolsonaro como um dos responsáveis pelo genocídio no Brasil

Foto: Alex Pazuello/Semcom
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Temos muito a agradecer a um mundo globalizado. Por exemplo, na semana passada, o jornal “Folha de São Paulo” ao invés de dar ênfase que na pesquisa do DataFolha mostrando que 53% da população brasileira identificou Bolsonaro como um dos responsáveis pelo genocídio no Brasil, optou por enfatizar que 47% – a minoria – o eximia de responsabilidade.

A correção foi feita pela agência russa Sputnik, em boa hora, interessada nos temas brasileiros. Entretanto, o fato não diminui a gravidade de 47% da população não conseguir imputar responsabilidade do genocídio ao genocida. Ao explicar os motivos da “Carta ao Povo de Deus”, assinada por 152 Bispos brasileiros, em que denunciam a necropolítica do atual desgoverno, um dos bispos signatários mencionou a busca de retirar o povo brasileiro da atual letargia em que se encontra, sob a tirania do capital financeiro internacional e seus cúmplices, entre os quais as próprias forças armadas, às quais a constituição atribui a defesa da pátria.

No retorno à democracia plena, será importante responderem judicialmente por essa grave violação da Constituição. Com efeito, para entender a atual letargia nacional, vale a pena verificar a etimologia da palavra “letargia” que se compõe dos radicais gregos lethe – esquecimento – e argia – inércia. A origem da palavra desnuda nossa tragédia: esquecemos que o imperialismo jamais aceitará uma grande nação ao Sul e que o medo atávico gerado pela brutalidade da escravidão nos trava nos momentos em que a luta nos demanda.

Em “Estórias sobre como não temer fantasmas”, coletânea de antigos contos chineses, lemos, na apresentação: “Este livro compreende trinta e cinco estórias sobre como não temer fantasmas, as quais são tiradas de antigas coleções chinesas de fábulas e anedotas. Elas mostram a determinação e coragem do povo chinês de antigamente, em enfrentar fantasmas. Atualmente, todos sabem que fantasmas não existem. No entanto, embora não hajam demônios como os descritos nessas fábulas, verificam-se outros que se parecem – imperialismo, reacionários, dificuldades e obstáculos no trabalho, por exemplo”.

O prefácio da referida obra registra a respeito do povo chinês: “Eles sabem perfeitamente bem que as forças da reação, no país ou fora dele, não importa o quão poderosos eles aparentem ser, não podem, em última instância, deter o forte e irresistível avanço da roda da história. É a lei da história e da vida real que o bem deva predominar sobre o mal; a verdade sobre a mentira; a virtude sobre o vício; a beleza sobre a feiúra; estas novas forças revolucionárias sobre as forças reacionárias decadentes; os povos explorados e oprimidos sobre os exploradores e opressores; e os progressistas sobre os conservadores”.

O citado prefácio adverte: “Aqueles que não ousarem menosprezar o inimigo e tudo o que obstrui o avanço, ficando imobilizados pelo medo ao imperialismo e à reação, ou sucumbam frente às dificuldades e derrotas, são temerosos de fantasmas em pleno século XX”. O prefácio nota que em um dos contos, o próprio fantasma confessa: “A verdade é que fantasmas têm medo de seres humanos”. 

Prossegue o texto: “Isto mais ou menos sintetiza a mensagem de todas estas estórias. Não deveríamos mostrar o mesmo espírito com relação às forças reacionárias tanto dentro como fora do país? (…) Poderia ser que eles tivessem fôlego e nós não? Que eles, de fato, não nos temessem, mas que nós devêssemos temê-los? É possível que quanto mais nós temamos “fantasmas”, tanto mais eles nos amarão? Terão piedade de nós e não nos atacarão? E que de repente todos passem a defender nossa causa e tudo se ilumine novamente, como florescem as flores na primavera?”

E complementa, dizendo: “A tese de que ‘todos os reacionários são como tigres de papel’, defendida pelo Camarada Mao Tsetung durante a Terceira Guerra Civil Revolucionária, armou o povo do nosso país ideologicamente, fortaleceu a confiança dele na vitória e teve um papel extremamente importante na vitória na Guerra de Libertação Popular”.

Por fim, ressalta que, “o imperialismo e todos os reacionários também têm uma natureza dual – são tigres reais e de papel ao mesmo tempo. Vistos na essência, de um ponto de vista de longo prazo, são tigres de papel, que poderiam ser menosprezados estrategicamente. Tendo em vista que comeram milhões e dezenas de milhões de pessoas e continuarão a comer pessoas no futuro, são tigres reais, e deveríamos, portanto, tomá-los em consideração seriamente, do ponto de vista tático (…) devemos vê-los, estudá-los seriamente; extrair a experiência necessária e lições; encontrar medidas efetivas para superá-los ou derrotá-los e resolutamente implementar as medidas aptas a conquistá-los e ir adiante exitosamente (…) Pois se faz necessário combinar estreitamente a ideia de estrategicamente desprezar o inimigo com a de, taticamente, levá-lo a sério. Pessoas que se dispõem a transformar o mundo deveriam ter essa leveza de espírito e de coragem revolucionária”.

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