

Opinião
A COP e a ‘orquestra’ do clima
A conferência em Belém será a mais importante desde o famoso Acordo de Paris


Quanto mais se aproxima a realização da COP30, em novembro, em Belém do Pará, apontar o dedo para os problemas da cidade parece ter virado esporte nacional. O exemplo mais recente é o de um apresentador de tevê, conhecido por seu descompromisso com a verdade, que afirmou faltar comida na cidade.
É verdade que Belém tem pobreza, miséria e um déficit crônico de esgoto e saneamento, entre muitas questões socioambientais, tanto quanto qualquer outra cidade brasileira. O Rio de Janeiro prometeu despoluir a Baía de Guanabara para a Olimpíada. Conseguiu? Experimente mergulhar nas águas do cartão-postal. E o que dizer dos rios Pinheiros e Tietê, dois canais de esgoto a céu aberto na cidade mais rica do País?
Seria ridículo fazer um campeonato de mazelas nas capitais. Todas têm dilemas a resolver porque vivemos em um país indecentemente desigual. Esse é o debate que interessa. As soluções para os problemas socioambientais do Brasil e do mundo passam pela redução das desigualdades entre nações ricas e pobres, entre classes ricas e pobres, e pela mudança de um sistema econômico global movido a combustíveis fósseis. É importante que o debate sobre a COP não se perca, embaralhado pela ignorância e visão preconceituosa sobre Belém e a Amazônia.
Desde 1995, foram realizadas 29 COPs. Quase a metade delas, 13, ficou concentrada em um único continente, a Europa. Foi um acerto trazer a conferência para o Brasil e para a Amazônia. É preciso que o mundo veja de perto as iniquidades seculares da região, que é também o território decisivo de onde podem sair soluções para evitar a catástrofe climática.
A nossa COP será a mais importante desde o famoso Acordo de Paris, dez anos atrás, que fixou o limite de aumento da temperatura global em 1,5 grau Celsius em relação ao período pré-industrial, limite atingido em 2024, considerando o aquecimento médio global superficial. Sabemos o que precisa ser feito. Agora, é preciso agir diante dos desastres climáticos que não poupam nenhum lugar do planeta. A meta de 1,5 grau só pode ser alcançada se os países forem capazes de ações muito concretas e urgentes como, por exemplo, redução dos gases de efeito estufa e do desmatamento, recuperação de ecossistemas, replantio de florestas, e financiamento para a transição energética. Este é o mais difícil. Quem vai pagar a conta? Quanto será pago e quando?
É uma tarefa monumental obter consensos em torno de todos esses temas, pois as ações devem, necessariamente, envolver governos, empresas e a sociedade civil. Nas últimas COPs, pouco se conseguiu avançar, sobretudo porque o lobby do capital fóssil trabalha ferozmente para continuar furando poços de petróleo como se não houvesse amanhã. Em Belém, não será diferente. Os lobbies dos três “Bs” – “big oil”, “big mining” e “big agro” – vão desembarcar com sua avalanche de green washing e hipocrisia. São os mesmos que aplaudiram e pressionaram pela aprovação do PL da Devastação no Senado, que praticamente extingue o licenciamento ambiental no Brasil (o projeto foi para a Câmara).
O debate sobre o capital fóssil nos interessa particularmente quando se aguarda, com muito suspense, a decisão sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial, em especial na Foz do Amazonas. Eis um conflito que o Brasil precisa resolver. Quer ser uma potência ambiental ou um petro-Estado? O manifesto “A Margem Equatorial e o Suicídio Ecológico do Brasil”, assinado por mais de 5,3 mil cientistas, escritores, pesquisadores, ativistas e políticos, destaca que na Foz do Amazonas estão as maiores áreas de manguezais do mundo e enorme riqueza de recifes de corais. Ressalta também que mensurações aéreas realizadas pelo Inpe mostraram enorme absorção de gás carbônico pelo fitoplâncton que se concentra na foz, alimentado pelos sedimentos carreados pelo Rio Amazonas. Ou seja, o fitoplâncton é um aliado na contenção do aquecimento global. Além disso, a intensidade das correntes marítimas na região aumenta exponencialmente os riscos de um desastre de grande magnitude no caso de um vazamento de óleo. A conta entre custo e benefício não fecha.
Numa entrevista que me concedeu, anos atrás, o climatologista Paulo Nobre, do Inpe, definiu a conexão entre a floresta amazônica e o oceano: “A floresta é o maestro e o Atlântico é o primeiro-violino. Outros instrumentos compõem a música do clima global, mas esses dois são os mais importantes. São os dois elementos da estabilidade climática mundial. A floresta controla a chuva, que regula a circulação dos ventos e os ventos governam a circulação oceânica”.
Seremos capazes de assegurar a afinação da orquestra? •
Publicado na edição n° 1366 de CartaCapital, em 18 de junho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A COP e a “orquestra” do clima’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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